OPINIÃO

Fazendo nada

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Hélio Renan me contou que a sua velha turma de 1973 do Cenav vai se reunir para matar saudades. Foi o que aconteceu com parte da Associação da Turma Médica da UPF formada em 1982 em que recebemos alguns colegas com intuito de celebrar e programar encontro para comemoração dos 35 anos de formatura, em 2017. Se todos concordarem o próximo destino é Angra, no Rio.
A inveja mata e pensei em fazer o mesmo com meus antigos colegas daquela escola. Ah, o Cenav, reduto mágico, testemunha material da beleza dos carvalhos da Praça Tamandaré e das nossas inocências. Lá fiz boa parte de minhas grandes amizades no primeiro e segundos graus e a turma da banda. O meu negócio no primeiro grau era curtir a vida adoidado, ou seja, não fazer porra nenhuma. Aos domingos a turma ía, a pezito, até a granja do quartel ou até o Champagnat; algumas meninas se acompanhavam de vigilantes mães e eu do rádio portátil Phillips na programação de José Ernani, na Planalto e depois o futebol de Figueroa-Valdomiro-Anchetta-Everaldo. Almoço? Pão com mortadela e manteiga e 1 litro de Pepsi que não lembro como conservávamos gelado. Já, no segundo grau, o meu negócio era curtir a vida adoidado, ou seja, continuar a fazer porra nenhuma: judô (com seu Arcildo Leidens) + namoro (com a qual se faz prudente não revelar nome) + banda do Cenav (Antonio João, Audi, Melão, Rudinei, Ivânio, Eduardo, Meu irmão Renato e Potiguar...). As estrelas, no entanto, eram Marco Mattos, o boa-pinta Eduardo Araújo (filho do Flávio e irmão do Flavinho) e os saudosos Renato Serrano e Gilberto Gregoris, que nos deixaram muito cedo. Planos para o futuro (porque não tem como estabelecer planos para o passado) não havia; não lembro de nenhum plano, mesmo porque não há nenhuma necessidade de se pensar no futuro quando o presente se basta. O que poderia ser melhor naquela altura da vida? Jovens, pais e irmãos presentes, camaradagem, descompromissos, vidas assexuadas, sem CPF, sem imposto de renda, toca-fitas, caixa de som Cadenza. Queres mais o quê? A gente cantava Hildon, Baiano e os Novos Caetanos, Vanusa. Alguém nos apresentou Mocedad (Eres Tu) – havia vencido o Abba (Waterloo) no Eurovision de 1973. Eduardo Fernandes descobrira Raul Seixas (How could I Know? – da novela Rosa dos Ventos, na TV Tupi) e Casa das Máquinas (Vou Morar no Ar) e a gente sabia de cor todas de Benito de Paula, Luís Airão e algumas do principiante Elton John e a gente era muito feliz. Dificilmente a felicidade, essa fêmea desejada por homens e mulheres, se faz acompanhar da absoluta consciência de tudo que nos rodeia. Talvez, somente seja feliz quem se aliena um pouco, em músicas, filmes ou reminiscências de um período dourado que nunca retornará, onde o bom da vida era viver a vida adoidado, ou seja, não fazendo porra nenhuma, a não ser, é claro, a curtição daquilo que nossas condições sociais pudesse proporcionar, sem grandes frescuras. E é em nome das coisas sem frescuras e da busca da inocência que se diluiu que a gente se reúne para comemorar e bebemorar e para nos confortar nos sonhos, não de um futuro sobre o qual nada sabíamos mas, de um passado descompromissado, onde o importante era somente estar com as pessoas que gostávamos, curtindo a vida adoidado ou fazendo porra nenhuma, sendo felizes por coisas simples.

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