OPINIÃO

O tango segundo J. L. Borges

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Quando Edwin Williamson, no livro “Borges: Uma vida”, de 2007, mencionou as conferencias que Jorge Luis Borges havia pronunciado, em 1965, sobre o tango, reacendeu o interesse pelo assunto. Inclusive, porque, apesar do informe publicitário que havia saído no jornal La Nación, na página 6 da edição de 30 de setembro de 1965, que fazia menção ao ciclo de conferência que seria oferecido todas as segundas-feiras de outubro, às 19 horas, no primeiro piso, na Rua General Hornos 82, muita gente duvidava que esses encontros, efetivamente, tivessem ocorrido. Por sorte, graças às gravações das conferencias do escritor argentino feitas por um galego (Manuel Romàn Rivas), que entregou as fitas a um basco (José Manuel Goikoetxea), que repassou, em 2002, para outro galego (Bernardo Atxaga), e, uma vez comprovada a autenticidade do material, em 2013, pelo meticuloso trabalho de edição e notas de Martín Hadis, finalmente, em junho de 2016, veio à luz, pela editora Sudamericana, o livro “El tango - Cuatro conferencias”, com a reprodução das falas de Borges.
Jorge Luis Borges, com a sua peculiar erudição, nas aludidas conferências, retomou o trabalho que havia feito, em 1929, quando iniciou a investigação sobre a vida do poeta Evaristo Carriego, em cujo livro, publicado em 1930, incluiu o ensaio “Historia del tango”. A pesquisa sobre Carriego levou Borges ao mundo do tango, aos recantos mais inusitados do bairro de Palermo, a revisitar os “compadritos” e as “casas malas” para interpretar a origem, os símbolos, a mítica e a lírica da música emblemática que simboliza a cidade de Buenos Aires: o tango. Passeou, com naturalidade pela história da Argentina, revisita os personagens do mundo do tango, bairros, ruas, praças, instrumentos, a evolução do ritmo e sua expansão exterior (França e Japão, especialmente). Para concluir que , em qualquer parte do mundo, quando alguém faz menção a Argentinas, duas palavra sobrevém, sendo uma relativa a um tipo humano, “el gaucho” , e outra a um ritmo musical, “el tango”. Fixa uma data e um lugar para a origem do tango, seguindo a obra de Vicente Rossi: o ano de 1880 e o lugar, infelizmente não na Argentina, mas sim em Montevidéu. Todavia, Borges, por ser portenho, optou por Buenos Aires e o mesmo ano, 1880. Reconhecidamente, o tango teve sua origem nas periferias do Rio da Prata.
Também são bem conhecidas as referências pouco elogiosas de Borges a Gardel, o cantor símbolo do tango, e a preferência do escritor pela milonga. Não lhe agradava o tango cantado, com letra, pois dizia que a letra matava o tango. Agradava-lhe o tango velho, o tango canção. A sua preferência pela milonga recaia na coragem dos personagens, que peleavam apenas pelo gosto de pelear, para saber quem era o mais guapo. E isso se reflete nos contos “El Sur” e em “El hombre de la esquina rosada”. Segundo ele o tango procede da milonga e toda a tristeza do tango é que leva à afirmação que “o tango é um pensamento triste que se baila”; cuja frase muitos atribuem a Ernesto Sabato. E que o tango se entristeceu mais ainda quando chegou ao bairro italiano de la Boca, envolvendo melancolia e passionalismo em grau elevado. E resume tudo com a sentença clássica de Leopoldo Lugones: “El tango, ese reptil de lupanar”.
Para Borges, Carlos Gardel levou ao ápice os chamado tangos chorões e queijosos, tornando-os, via uma interpretação singular, dramáticos ao extremo, num verdadeiro lamento de cornos. Ironicamente, dizia “Gardel y yo tenemos algo en común: a ninguno de los dos nos gusta el tango”.
A Borges, o tango era mais um tema literário, pois, para ele, estudar o tango era o mesmo que estudar as vicissitudes da alma argentina.
Aos interessados em tango, recomenda-se, além do livro que reúne as conferências de Borges, a obra de Washington Gularte, “O Tango em Porto Alegre (1914-2014)”, que registra, com ricos detalhes, os 100 anos de história do famoso “dois por quatro” na capital do Rio Grande do Sul.

 

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