OPINIÃO

Jorge, o lúdico

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Tudo o que se deveria ser escrito e mostrado sobre a tragédia da Chape foi feito tanto pelos melhores e quanto pelos muito melhores que esse humilde cronista. Estava a imaginar o que poderia acrescentar e então vejo a foto do garoto sentado na arquibancada da Arena Índio Condá em total desalento. A imagem se auto-sustenta e nada mais há de se dizer. Comecei a gostar do futebol porque meu velho Jorge gostava, trazia-lhe alegria e paixão. Foi o que lhe fez dirigente do Guarani de Cruz Alta e do Gaúcho de Passo Fundo. Além desses meu pai amava o Grêmio e admirava o Vasco e eu o segui nessa paixão. Sempre entendi o futebol como lúdico, de jogar por jogar e não necessariamente para vencer. Como dizia o sargento Puchalski, em Blumenau, quando perguntado em que posição gostaria de jogar nas peladas – onde quer que eu jogue, no gol, lateral, pivô? Estava ali para brincar, era lúdico, como eu. O falecido craque Dener (Vasco, Portuguesa, Grêmio) falava que gostava do “dible”, ele que não sabia falar drible mas, sabia driblar como poucos e eu... bem, sempre gostei do passe limpo, milimétrico como fazia Roberto do Gaúcho, como faz Douglas, Maicon e Geromel para Everton. Passe lindo = gol.
Os garotos da Chape poderiam ser nossos filhos e ao morrerem de maneira trágica mostram a antítese do futebol e da alegria explosiva, pelo menos para nós peladeiros. O futebol mudou da graciosidade para o perfil empresarial e seus pérfidos arranjos. No entanto, para nós da galera, quando jogamos o fazemos pelo prazer, jogamos para compartilhar, para reunir os amigos e, talvez, para fazermos troça um do outro. Os peladeiros, pelo menos a maioria deles, joga por diletantismo, brincadeira de criança – como é bom, tabelar com seus sonhos e correr com os braços erguidos para uma imaginária plateia. Depois, abraçar o adversário, loiras geladas e rir e falar da vida, dos seus sabores e dissabores.
As homenagens todas foram marcantes: a estupenda do Jornal Nacional, as lágrimas incontidas do veteraníssimo Silvio Luís na Rede TV e as do mestre Valdir Espinosa, o profundo desalento de Galvão Bueno, as ofertas dos grandes clubes do país, demonstração de respeito e luto de todas as partes do mundo. A gente ficou em prostração profunda, tal qual aconteceu com a morte de Senna e da tragédia da Boite Kiss. A frase descontextualizada de Fernando Carvalho não deve jamais desmerecer o grande rival, o clube do povo. O dirigente passa, o clube fica.
A criança sentada na arquibancada sou eu e a minha meninice encarando o futebol como alegria e paixão. Na visão da criança não há tragédias coletivas, há somente o “dible” e correr prá galera, ludicamente.É verdade, não é só futebol, é paixão indescritível como todas as paixões, troca-se até de casamento mas, quase nunca de clube. A gente sofre, ri, sofre e ri mas, no outro dia estamos ali para torcer novamente, há sempre a possibilidade da reversão do placar. Por isso, dói tanto quando nos defrontamos com o lado B da vida. O de bom foi que a desgraça aflorou o que de melhor o esporte pode oferecer, a imensa rede de solidariedade que dá verniz ao humanismo, ou seja, aquilo que nos sublima e nos aproxima de Deus.
Vamu, vamu Chape.

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