Quer seja a leitura dos textos de Jorge Luis Borges a partir de uma perspectiva filosófica ou a busca de indícios de filosofia na obra do escritor argentino, a questão que se impõe é uma só: afinal, J. L. Borges pode ser considerado um filósofo? E a resposta: não, indubitavelmente NÃO. E pouco importa que Borges tenha feito uso de sistemas filosóficos para fins literários e estéticos à exaustão ou que gente como Derrida, Foucault e Deleuze, por exemplo, tenham lido a sua obra com interesse, além do meramente literário, também filosófico.
O profissional da filosofia usa e abusa da argumentação e da prova no exercício do seu ofício. Jorge Luis Borges, de certa forma, na criação de suas peças literárias singulares, também faz isso com maestria ao utilizar, de modo displicente (aparentemente displicente, mas intencional de fato), conceitos filosóficos para justificar afirmações, promover demonstrações e, por sua vez, dependendo do caso, também refutar demonstrações. Em jogos de criação literária que beiram à perfeição, dá-se ao luxo, não raras vezes, a uma liberdade que é vedada ao filósofo profissional: a liberdade de contradizer-se. E isso, por si só, bastaria para excluir Borges da categoria dos filósofos e mantê-lo onde ocupa lugar de destaque, que é no panteão dos escritores canônicos.
Jorge Luis Borges foi leitor de Schopenhauer e de Nietzsche. Sobre o primeiro disse que, se tivesses de escolher um único filósofo, designaria Schopenhauer, e que poucas coisas lhe eram mais dignas de lembranças que o pensamento do filósofo alemão, autor de “O mundo como vontade e representação". Quanto a Nietzsche, Borges, a quem, ironicamente, chegou a referir-se como “Friedrich Zaratustra”, foi o leitor qualificado que a obra do ilustre pensador alemão sempre exigiu (ler Nietzsche é, antes de tudo, uma arte; frisou Thomas Mann).
No epílogo de “Otras inquisiciones”, datado de 25 de junho de 1952, Jorge Luis Borges foi taxativo ao afirmar que lhe agradam as ideias religiosas e filosóficas pelo seu valor estético e pelo que comtemplam de singular e maravilhoso. Eis mais um argumento para não incluí-lo na categoria de filósofo. De forma sarcástica, referiu-se à filosofia e à teologia como duas espécies de literatura fantástica. Mas, sem qualquer margem de dúvida, Borges foi um escritor genial que, usando doutrinas metafisicas, por meio de abstrações personalíssimas, deu vida imaginativa a proposições filosóficas sofisticadas, buscando sempre extrair delas as nuanças estéticas possíveis.
Em “Pierre Menard, autor del Quijote”, J. L. Borges ao comparar a célebre passagem escrita por Cervantes, no século 17, “(...) la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.”, com a produzida por Menard, 300 anos depois, “(...) la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.”, e insistir que esses textos, apesar de literalmente idênticos são também diferentes, pode deixar perplexo o leitor menos atento. E, de fato, esses textos são diferentes. Totalmente diferentes! Percebe? São diferentes porque há um universo simbólico, que rodeia Cervantes e Menard, separados por três séculos. O texto de Cervantes realça um mero elogio retórico da história. E o de Menard termina destacando o pragmatismo do porvir. Não há textos idênticos, pois a recontextualização torna a repetição diferente. O contexto, nesse caso, faz toda a diferença entre Cervantes e Menard. Frise-se que Pierre Menard, no conto de Borges, não quis escrever outro Quixote, mas sim o próprio Quixote, a partir da sua experiência de vida. Algo que lembra Heidegger e a destruição (desmonte) da história da ontologia. Quer saber mais sobre o assunto? Então leia o livro do Edgardo Gutiérrezz: “Borges y los senderos de la filosofia” (Buenos Aires: Las Cuarenta, 152 p., 2009).
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