OPINIÃO

O olhar oblíquo de La Niña 2017

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Nunca houve uma mulher com um olhar tão misterioso como Capitu. Isso mesmo, aquela personagem do romance Dom Casmurro, escrito por Machado de Assis, publicado em dezembro de 1899, cujo olhar oblíquo, cheio de incertezas e de ambiguidades, sugeria quase tudo e revelava muito pouco. E que, além de ter feito Bentinho desistir de se tornar padre, levou-o, torturado pelo ciúme e pela dúvida da infidelidade, a ficar cada vez mais amargo, solitário e casmurro.
Eis que, quase cem anos depois, surgiu La Niña. Tão intrigante, misteriosa e ameaçadora, com seus impactos econômicos e sociais, quanto a Capitu de Machado de Assis. Todavia, nesse caso, não se trata de uma personagem de um romance. É um fenômeno natural que tem sido objeto de artigos em publicações científicas, tema de reportagens em revistas de divulgação, matérias em jornais, em rádio, em televisão e, até mesmo, servido de assunto para conversações as mais variadas possíveis.
Na literatura científica e nos veículos de comunicação de massa, um fato notório, sobre La Niña, é que este fenômeno parece não possuir personalidade própria. É sempre relacionado de forma oposta ao El Niño. Quase todos sugerem como referência para La Niña o fenômeno El Niño e não a temperatura normal da superfície das águas do Oceano Pacífico equatorial, como é feito quando o episódio em pauta é El Niño.
Na verdade, La Niña é um resfriamento extremo das águas superficiais do Oceano Pacífico equatorial, por um período longo de tempo, na sua porção central e leste (costa oeste da América do Sul). Mas não é um resfriamento qualquer e em se tratando de uma região de águas oceânicas geladas, chegou a ser visto por alguns como um extremo do caso normal. E via a ligação da superfície do Oceano Pacífico com a atmosfera, acaba causando mudanças no padrão de circulação geral da atmosfera e exercendo uma influência à distância (teleconexão atmosférica) em várias partes do mundo. E, se não quantitativamente, pelo menos qualitativamente, causa impactos climáticos opostos aos relacionados com El Niño. Isso passa, para o público geral, uma visão de simetria linear do mundo. O seja, El Niño e La Niña vistos como imagens de espelho (iguais porém invertidas). E, na realidade, não existe essa simetria perpetrada pelo senso comum em termos de impactos climáticos e muito menos em se tratando de impactos econômicos e sociais associados.
Há também que se considerar, tanto para El Niño quanto para La Niña, que os eventos não se repetem sempre iguais, como a generalização da informação e a ideia de linearidade subjacente podem deixar transparecer. Em algumas situações de eventos fracos, por exemplo, as condições locais e regionais podem ser determinantes mais fortes do comportamento das variáveis meteorológicas (no sul do Brasil, a temperatura das águas do Atlântico; por exemplo). Assim, tem que ficar claro que previsão do fenômeno e projeção de impactos, econômicos e sociais a partir do clima, são coisas independentes e muito diferentes.
La Niña, "A Menina" que preocupou (e ainda preocupa) os agricultores gaúchos na safra 2016/17, tem uma complexidade científica que pode ser comparada a complexidade psicológica de Capitu, personagem símbolo da fase realista de Machado de Assis. Todavia, La Niña não é mais uma criança. Hoje, considerando-se que o termo foi cunhado e popularizado por George Philander, em meados dos anos 1980, estaríamos diante de uma enigmática balzaquiana. E no caso atual, quando atua uma La Nina fraca e com ciclo de vida curto (projeta-se, conforme o boletim ENSO Diagnostic Discussion, do Climate Prediction Center/NCEP/NWS e do International Research Institute for Climate and Society, liberado nessa quinta-feira/12, a volta de uma condição normal a partir de fevereiro), que esperar? Tudo o que se pode esperar dessa fugaz balzaquiana: muita incerteza no tocante a chuvas no sul do Brasil. Sendo mais provável: janeiro, com chuvas dentro do padrão climatológico regional, e, em fevereiro e março, abaixo.

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