OPINIÃO

Reverência

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A Medicina pode ser contada de mais de mil maneiras. Cada médico poderia verbalizar uma forma, uma história, uma perspectiva, um sonho. Uma das maneiras de contá-la é, deveras, muito simples. É a Medicina pode ser dividida entre pré e pós-tecnologia. A modernidade e todos os seus aparatos distanciou os tempos de névoas da luz agora existente. Nós, dinossauros, forjados em época sem muita ciência a dar apoio, à meia-lua ou meia-lua inteira à procura do diagnóstico e o tratamento adequado, concluímos: que tempos, não é mesmo? O que nos servia de estrado? Exames de sangue, urina e escarro básicos. Raio-X?... abreugrafia, sim, isso mesmo. O Médico, sisudo mas humano, simples mas apoteótico, homem comum mas Deus ou sua manifestação, médico-homem-Deus de ontem sem aparatos consignando raciocínios extraídos de sua compleição humana básica: olhos, ouvidos, olfato, mãos e sensibilidade. De sua maleta mágica brotavam gotas, óleos, comprimidos, elixires... Óculos de aros grossos e escuros, roupas também escuras, eram homens sem dias e noites, quase sem famílias, quase exclusivos dos pacientes. Homens poderosos lutando contra males e doenças devastadoras, inimigos que espreitavam na escuridão, inimigos solertes e implacáveis e super-homens a enfrentá-los. Médicos de poucas ou quase nenhuma especialidade. Se fosse cirurgião, então...o melhor era entregar a Deus ou aquilo que o mago poderia fazer. E, ele, fazia e acontecia...muita gente morria, é verdade mas, muita gente sobrevivia.
Foi assim, com extremado respeito, que conheci os primeiros heróis médico que representavam a profissão-doação que meu pai sonhara ser e não conseguiu mas, que seu filho atingiu. E uma vitória do filho é bem mais que qualquer pretensão que um pai poderia pedir a Deus.
Os notórios profissionais de nossa e de todas as regiões, apoiados na excelência dos hospitais e clínicas de diagnósticos elevaram os cuidados à saúde a um panteão invejável. Eu acompanhei como testemunha ocular essa migração. O que a gente dispunha nos anos 1960-70 e o que se dispõe agora, água para vinho. A sociedade mudou, os homens também e nossos conceitos de médicos super-heróis se alteraram de alguma forma. Os humanistas (havia poucos médicos) deram oportunidade a médicos (agora muitos) funcionários de governos, hospitais e empresas prensados por demandas cada vez maiores – número de pacientes, resultados, medicina defensiva, salários defasados. Apresentar ressonâncias humanas em meio a tantos desafios é coisa para quem tem vocação aliada à profissão. Ser médico é ter uma missão.
Mas, nada é eterno. A gente vem, conta um causo e vai embora. Há causos bacanas, edificantes, como aqueles incalculáveis contados pelo doutor Sérgio Lângaro. Quem o ouviu (muita gente) e os guardou é um ser privilegiado. Nós que ainda permanecemos ficamos a copiar os velhos mestres cujas primeiras lembranças fazem remeter à Londres dos nevoeiros ou as bandas do Boqueirão em noites tenebrosas de inverno. Nessas escuridões ansiávamos pela luz a nos tirar os medos e a luz tinha formas humanas com óculos de aros grossos e suas maletas mágicas, humanidade pura sem tecnologia de apoio e por isso, mágicos a quem devemos um universo de agradecimentos. Graças aos céus muitos dos referenciais ainda permanecem entre nós a brindar a classe com o que há de mais caro, humanidade e experiência. Caro Sérgio, doutor Sérgio, “temo” aí, na lida, dando continuidade aos ensinamentos, tentando honrar o butim.

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