Richard Dawkins tinha 35 anos, em 1976, quando publicou o best-seller O Gene Egoísta (The Selfish Gene), dando por encerrada a primeira metade da sua vida; conforme ele mesmo fez questão de frisar na autobiografia, Fome de Saber (An Appetite for Wonder – The Making Of a Scientist), lançada em 2013. Depois publicaria outras tantas obras de grande sucesso editorial, a exemplo do Fenótipo Estendido (um desdobramento da primeira), O relojeiro cego, O Capelão do Diabo, Deus - Um Delírio, A grande história da evolução, etc., assumiria a cátedra de Compreensão Pública da Ciência na Universidade de Oxford (1995-2008), viraria pregador ateísta e conferencista renomado (participou do seminário Fronteiras do pensamento, em 2015), tendo recebido toda a sorte de láureas e distinções acadêmicas ao redor do mundo; especialmente pelo seu trabalho de popularizador da ciência. Não obstante, a obra que catapultou Dawkins à fama, O Gene Egoísta, independentemente dos seus méritos, desde que foi lançada, tem suscitado debates e controvérsias sobre a validade dessa proposição que configura ao gene o papel principal na teoria da seleção natural.
Dawkins diz-se surpreso com a atenção que o livro O Gene Egoísta recebeu, tanto as elogiosas quanto as críticas, uma vez sendo essa uma obra de um autor, no caso ele, na época, ainda desconhecido. Em particular, na sua autobiografia, menciona as diatribes ferozes dirigidas ao livro por Steven Rose e Richard Lewontin, as quais estariam, segundo ele, vinculadas ao pensamento esquerdista desses cientistas. Todavia, não faz menção a Stephen Jay Gould (1941-2002), o biólogo marxista de Harvard, que não poupou Richard Dawkins, rotulando a sua metáfora de uma falácia e caso extremo de Fundamentalismo Darwinista, com origem em uma pressuposição teórica errada (um erro de lógica). Acredito que não tenha mencionado Stephen Jay Gould em respeito à memoria do renomado paleontólogo e brilhante ensaísta de Harvard.
Stephen Jay Gould, até quanto eu conheço, elaborou as melhores teses contrárias ao enfoque da seleção natural centrada no gene (podem ser encontradas, entre outros locais, no livro The Structure of Evolutionary Theory, p.613-644). A metáfora do Gene Egoísta, construída por Richard Dawkins, foi embasada nos trabalhos de Ronald A. Fischer (1930), William D. Hamilton (1964) e no livro manifesto de George C. Williams (1966). E, não obstante alguns pontos fortes, essa teoria não passa de uma visão incompleta da evolução. Dawkins, comunicador brilhante, levou adiante e popularizou erros lógicos, que rebaixam a seleção natural ao nível mais básico de organização dos seres vivos (o gene). Insistem os críticos, que a seleção natural não opera nesse nível de organização isoladamente. Sim, os genes são replicadores fieis. Mas unidades de replicação não atuam como unidades de interação com o ambiente, onde, efetivamente, dá-se a seleção natural. Replicadores e interatores não significam a mesma coisa, nesse caso. E os demais níveis de organização – gene, genoma, célula, tecido, órgão, indivíduos, população, comunidade – e suas interações com o ambiente, onde entram nisso? Replicadores, definitivamente, não são unidades de seleção. A seleção natural opera a partir de propriedades emergentes de interações não lineares entre indivíduos e o ambiente. Os organismos individuais não são meras máquinas a serviço da sobrevivência de genes, como postula a hipótese do Gene Egoísta. A visão do gene atuando de forma isolada é uma idealização reducionista ao extremo da seleção natural.
O sex appeal, midiaticamente tão explorado para fins comerciais e com consequências “evolutivas” (reprodutivas pelo menos), é um bom exemplo de propriedade que “emerge” dessa interação indivíduo x ambiente, e que não pode ser atribuída à mera ação isolada de algum “Gene Safado”. Atua em um nível de organização biológica mais acima do gene. E os marqueteiros, pelo que parece, conhecem com profundidade a obra de Darwin!