OPINIÃO

Repensando a evolução

Por
· 2 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+


São raros os livros, escritos por cientistas frise-se, que conseguem atrair a leitura e a atenção de leigos e, ao mesmo tempo, também despertem o interesse dos pares pelas novas teorizações que apresentam sobre algum tema. A Origem das Espécies (On the Origin of Species, 1859), de Charles Darwin, e O Gene Egoísta (The Selfish Gene, 1976), de Richard Dawkins, são dois bons exemplos que, inclusive, tratam do mesmo assunto: a teoria da evolução.
Mr. Darwin e não Sir Charles, como Richard Dawkins faz questão de se referir- ao seu ídolo maior, demonstrando certa intimidade com o famoso naturalista britânico, inovou ao publicar a sua obra magna em inglês e não em latim, como rezava a tradição cientifica no século 19, e, com isso, ampliando sobremaneira o publico leitor. E Richard Dawkins, dono de uma prosa clássica apurada, marcada por uma retórica de persuasão melódica, com forte conotação lírica, conhecimento enciclopédico evidente e pelo uso não comedido de pitadas de controvérsias, foi capaz de construir metáforas inteligentes, que, desde 1976, quando centrou a evolução no gene, relegando os níveis mais elevados de organização biológica a um segundo plano, tem despertado paixões e críticas exacerbadas, tanto favoráveis quanto contrárias, a sua nova proposta.
Ir adiante é primazia dos genes e não de indivíduos e muito menos de espécies, segundo a teorização de Dawkins. Para ele, a “imortalidade” reside nas informações contidas nos genes, sendo esses as unidades básicas de seleção. Indivíduos e espécies seriam, nesse caso, meros veículos de transporte de genes. Isso permitiu outras interpretações sobre a evolução das espécies, com desdobramentos, inclusive, na nova área da genômica, no que tange, por exemplo, à explicação do excesso de DNA presente nos seres humanos; que teriam de 30 a 50 vezes mais DNA do que a necessidade dos genes que codificam proteínas. Nesse caso, o único propósito desse DNA seria sobreviver, funcionando o excesso como um tipo de “parasitismo”. E, nesse sentido, as ideias de Dawkins tem sido inspiradoras para muitos cientistas levarem adiante novas pesquisas, como foi o caso da descoberta da transcriptase reversa, uma enzima cujo único trabalho seria a dispersão de cópias dela mesma. A ideia do gene como unidade de informação hereditária e da seleção natural, com essa descoberta, ganhou força nos meios acadêmicos. Inclusive, havendo quem ouse sugerir, a exemplo de Daniel Dennett, que o livro O Gene Egoísta não trata só de ciência, mas também de filosofia, e filosofia da melhor qualidade.
A proposta dos editores de Richard Dawkins, não acatada por ele, evidentemente, na época, de mudar o título da obra para O Gene Imortal (The Immortal Gene) em vez de O Gene Egoísta (The Selfish Gene), apesar do menor apelo de marketing, talvez tivesse evitado muitas interpretações equivocadas dos acusadores de que as suas ideias, na verdade, incentivavam o egoísmo e, até certo ponto, seriam uma forma de resgate da eugenia nazista, conforme lembrou Matt Ridley, em comentário para a revista Nature, edição e 28 de janeiro de 2016.
Há quem defenda a necessidade de uma nova interpretação para a teoria da evolução, pois, afinal, Darwin elaborou a sua teria sem saber da existência de genes (ignorava Mendel), e quem pense que está tudo bem e que não há razão para mudar nada do que está posto, incluindo-se, nesse último grupo, os defensores dos vieses criacionistas e do desígnio inteligente.
Uma alternativa a corrente evolucionista dominante, centrada em herança genética e mudança de frequência de genes, tem sido a visão de processos, que sustenta que a evolução não pode ser reduzida ao poder dos genes. Os organismos seriam “construídos” durante o processo de desenvolvimento e não “programados” pelos genes para se desenvolverem. Os seres vivos coevoluem com o ambiente, por um processo de mudança estrutural dos ecossistemas. Há mais, muito mais, sobre isso; mas, infelizmente, acabou o espaço. Voltaremos ao assunto!

Gostou? Compartilhe