No contestado governo João Goulart, herança da megalomania de Janio associado à quebradeira do surto desenvolvimentista de Juscelino, houve o desdobramento do que se chamou de república sindicalista, onde os cidadãos que abandonaram a vida rural tentavam encontrar mercado de trabalho nas incipientes cidades e se organizaram, sob batuta do governo, em sindicatos ligados ao partido comunista. Cuba resplandecia na cabeça da intelectualidade e dos sindicalistas e os arroubos brizolistas incendiavam a temperatura política do país emparedando até o presidente Jango. AS reformas de base, principalmente a reforma agrária era o papel de parede num inconveniente jogo de disputa de belezas entre Brizola-Jango-Juscelino-Lacerda, todos interessados no poder. A ameaça comunista-socialista-sindicalista incomodava as forças armadas e a Igreja. A isso somado havia a insurgência de sargentos-cabos-soldados o que acarretava desobediência na caserna. Do caldeirão político-econômico-militar os conflitos eram inevitáveis. Já li tudo ou quase tudo desse período – biografia de JK, Murilo Mello Filho, Elio Gaspari, Helio Silva, Flavio Tavares e conclui que há muito a ser debatido, sem os ranços, sem as cicatrizes. A democracia resultante de tudo isso não nos livrou dos espertinhos e continuamos a debater ideologias e as autoridades públicas não conseguem aparecer em público sem ser vaiadas e hostilizadas. O respeito surge, esporadicamente, quando alguém morre. Que país é esse? Que gente é essa?
Cabra marcado para morrer é um filme de Eduardo Coutinho sobre João Pedro Teixeira, líder camponês do Engenho Galileia, assassinado em 1962. Lutas travadas entre os senhores proprietários que perdiam sua abrangência de poder e o novo proletariado só poderiam resultar em violências – estava marcado, estava marcado para morrer. Aí estava começando As Ligas Camponesas, defendidas pelo advogado Francisco Julião.
As mortes violentas do último fim-de-semana vitimando os filhos de nossos amigos estavam assim – cabras marcados para morrer, como eu e você que transitamos em estradas mal planejadas, mal conservadas, mal construídas. Em estruturas ruins qualquer vacilo, imprudência ou imperícia pode causar óbitos ou sequelas. Clamamos por melhorias na estrada da morte como Passo Fundo-Marau é conhecida da mesma maneira que suplicamos reengenharia na estrada Coxilha-Tapejara. Ansiamos adaptações no nosso aeroporto mas, às vezes as respostas não vêm ou vêm tarde.
O morticínio da Boite Kiss somente é dolorosamente lembrado pelos familiares das vítimas; o morticínio das estradas parece não ter ressonância alguma a não ser quando atinge nossos conhecidos ou familiares. Eu sou cirurgião do trauma, aquele que faz remendos, aquele que costura pacientes, aquele que retira órgãos despedaçados, aquele que tem a missão de tentar resgatar vidas de jovens acidentados. Bombeiro das desgraças sou um bem necessário, é bom sempre ter um por perto. O que eu gostaria mesmo é que os nossos jovens não sofressem acidentes de estrada. Não podemos dirigir por eles, nem evitar os impulsos da juventude mas, podemos adequar as estradas, podemos colocar mais limitadores de velocidade, podemos sinalizar melhor, podemos...não é mesmo?