Um detalhe sutil, mas que faz toda a diferença, no titulo principal dos quatro tomos que compõem a coleção chamada “Obras Completas” de Jorge Luis Borges (1899-1986), originalmente publicada por Emecé Editores S. A., em 1974, e que ganhou tradução para o português no final dos anos 1990, pela Editora Globo, provavelmente, foi responsável por fazer com que muita gente, ingenuamente, imaginasse que comprando essa coleção estaria adquirindo e levando para casa a obra completa do renomado escritor argentino. Ledo engano! Há um ardil editorial nesse título “Obras Completas”, que foi revelado graças à publicação das memorias de Adolfo Bioy Casares (1914-1999), cujas conversações entre ele e Borges, em encontros quase que diários, durante mais de 40 anos, foram reunidas por Daniel Martino nas 1680 páginas do livro “Borges”, que saiu pelas Ediciones Destino, em 2006.
Aos fatos: em 1974, quando das tratativas entre Borges e Emecé Editores S. A. para a publicação da sua “Obra Completa”, em quatro tomos, ao se cientificar dos títulos que seriam reunidos em cada volume, o escritor se recusou a assinar o contrato. Em definitivo, jamais autorizaria a reedição de alguns de seus livros, que considerava proscritos, como era o caso de Inquisiciones (1925), El tamaño de mi esperanza (1926) e El idioma de los argentinos (1928), e tampouco poderiam ser incluídos alguns poemas que originalmente constavam nos livros Fervor de Buenos Aires (1923), Luna de enfrente (1925) e Cuaderno San Martín (1929). O impasse estava posto. De um lado, um Borges famoso e irredutível, e, do outro, os editores de Emecé, que alegavam não conformidade contratual, uma vez que ele havia se comprometido a editar a sua “Obra Completa”, cuja campanha publicitária e o projeto gráfico já estavam prontos, e que, com a exclusão de textos, esse título não poderia ser mantido. Então, eis que algum iluminado encontrou a solução: em vez de titular os tomos como “Obra Completa”, esses seriam rotulados de “Obras Completas”. Nesse caso, não se estaria faltando com a verdade, pois as obras incluídas em cada tomo estariam “completas”, sem a exclusão de partes (embora isso não seja totalmente verdadeiro, pois, no caso dos livros de poemas, houve exclusões dos prólogos e de poemas). O relevante é que os leitores que adquiriram esses livros nunca foram explicitamente alertados do estratagema comercial.
Mas, se, com essa saída salomônica, o conflito contratual entre Borges e Emecé Editores S. A. foi resolvido, restava ainda entender por que Jorge Luis Borges, o escritor maduro, fazia questão de desqualificar e ocultar algumas obras ensaísticas e poéticas que havia produzido quando jovem? Por que, ao longo do curso da sua existência, mudou a sua visão de literatura, a tal ponto que se fala em “dois Borges”? E, adverte-se, que não se trata aqui de negar o direto de qualquer autor a autocriticar-se ou realizar ajustes ou correções na sua própria obra, como se encontra com relativa facilidade nos textos borgeanos publicados em veículos e /ou edições diferentes.
Seguindo as pistas deixadas por Volodia Teitelboim, no livro “Los dos Borges – Vida, sueños, enigmas”, e por Horacio Salas, e o seu “Borges, uma biografia”, o historiador Norberto Galasso produziu um ensaio, publicado no livro “Jorge Luis Borges – Un intelectual en el laberinto semicolonial” (Buenos Aires: Colihue, 2012, 308 p.), que ousou explicar as razões de Borges para negar o que havia escrito na juventude. Segundo Galasso, foi por influência da estrutura cultural vigente, forjada por uma aliança entre a classe dominante nativa, nesse caso bem representada na sua relação com Victoria Ocampo e Adolfo Bioy Casares, e o imperialismo estrangeiro, que Borges, convenientemente, a partir dos anos 1930, abandonou o seu discurso nacionalista e posições políticas contrárias ao status quo vigente, para converter-se no escritor canônico universal, alheio, até certo ponto, à realidade que o cercava na Argentina.
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