OPINIÃO

Et tu, FDP!

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São da lavra de Shakespeare (e não de historiadores, como seria presumível), os relatos mais conhecidos dos acontecimentos que marcaram os últimos e conturbados dias do governo de Júlio César em Roma. O texto do Bardo, escrito por volta do ano 1599, é tão convincente que muita gente não consegue distinguir o que é ficção e o que é historia real nessa tragédia clássica. A peça, originalmente chamada “The Tragedie of Julius Caesar”, ainda que pareça, pelo título, não trata propriamente do ditador romano. César é morto no início do terceiro ato. Essa tragédia shakespeariana, que centrou o protagonismo da história em Marco Júnio Bruto e seus conflitos mais íntimos - patriotismo, honra e amizade - foi levada aos palcos isabelinos como forma de reflexão sobre a preocupação que tomava conta da Inglaterra, na época, governada por uma rainha idosa que se recusava a indicar um sucessor; espalhando, entre os súditos, o temor de que, a exemplo do ocorrido em Roma, uma guerra civil fraticida poderia acontecer após a sua morte.
O texto de Shakespeare é, em boa parte, uma interpretação fantasiosa dos escritos dos historiadores romanos Plutarco e Suetônio. Mas, por retratar, como poucos, o lado trágico da alma humana na busca pelo poder, tornou-se indispensável; especialmente nos tempos atuais. Não faltam, nesse enredo, os ingredientes básicos do nosso dia a dia, quer seja no universo político, no ambiente familiar ou no mundo das corporações: conspiração, tramoias, traições, jogos de interesse e discursos eivados de ingênuas e/ou falsas boas intenções, não raro, envolvendo cidadãos honrados, a exemplo dos senadores romanos. O motivo aparente era salvar a República e a democracia em Roma. Mas, no fundo, o que os senadores romanos queriam era poder, fama e vingança. Ficaram com a vingança, César morto foi endeusado e ficou com a fama e os romanos, com a derrota de Marco Antônio imposta por Otávio, uma vez tendo sido decretado o fim da Republica, passaram a ser governados por imperadores tiranos.
Alguns dos versos mais conhecidos e proféticos de Shakespeare foram pronunciados por Cássio, diante do cadáver de César: “Quantas épocas por vir/ Será esta nossa elevada cena de novo encenada/em estados ainda não nascidos e sotaques ainda desconhecidos”. Que cena seria essa? Muito provavelmente (por ser a minha preferida, admito) aquela que, ignorando o aviso de um vidente, que, no meio da multidão, grita “Cuidado com os Idos de Março!”, e, contrariando a sua própria intuição e pedido da esposa, César dirige-se ao Senado para encontrar a morte naquele 15 de março do ano 44 a.C.
Há um clima de horror indescritível na cena da morte de César. E o cume, para mim, é quando, um César, acossado pelas punhaladas, consegue divisar, entre os rostos dos seus algozes, a figura de Marco Júnio Bruto (o seu protegido), e esse, sem piedade, desfere a 23ª e fatal punhalada. É nesse momento que Skakespeare faz Cesar proferir a famosa frase “Também tu, Bruto!” (em bom latim, Et tu, Brutus!); antes de cair, sugerindo que a traição destruiu a vontade de César de viver.
As palavras de Cássio e a cena da morte de César, muito provavelmente, inspiraram Jorge Luis Borges a escrever o miniconto (dois parágrafos apenas) “La Trama”, cuja essência, frisa Borges, é que ao destino agradam as repetições. E assim se dá, no sul da Província de Buenos Aires, a história de um “gaucho”, que é agredido por outros “gauchos” e, ao cair, reconhecendo um afilhado, surpreso e mansamente lhe diz: “Pero, Che!”. O matam e ele não sabe que morreu apenas para que se repetisse uma cena que fora escrita por Shakespeare dezenove séculos antes.
Tanto o César de Shakespeare quanto o “gaucho" de Borges, pela polidez em momentos tão dramáticos, soam demasiados inverossímeis nessas falas. Acredito que, como essas eram palavras para serem ouvidas e não para serem lidas, como destacou Jorge Luis Borges no seu conto, o mais provável é que, sempre no sentido figurado evidentemente , o “gaucho” tenha dito “Pero, Hijo de una P...!” , e César “Et tu, Filho da P...”.

 

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