A ação de fiscais da Prefeitura de Passo Fundo e da Brigada Militar contra vendedores ambulantes senegaleses na tarde de quarta-feira gerou revolta nas redes sociais. Vídeos que mostram os vendedores sendo rendidos e até agredidos circulam na internet. A Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) acompanha a ação desde a tarde de quarta-feira, inclusive divulgou uma nota ontem sobre o caso, e fará denúncia ao Ministério Público pedindo a investigação de uso desproporcional da força durante a ocorrência.
A manifestação das pessoas nas redes sociais critica a forma de atuação dos fiscais e policiais. Os comentários de leitores em um vídeo postado na página do Facebook do jornal O Nacional demonstram isso. “Não precisava de toda essa violência, existe coisas [sic] nessa cidade que são muito piores que isso e ninguém faz nada”, diz um leitor. “Concordo que fiscais e policias estão fazendo seu trabalho....mas em qualquer profissão existem formas, maneiras, de chegar e abordar as pessoas”, pondera outro comentário. “Violência extremamente desnecessária! Pra quê tudo isso? Os caras trabalham e, por mais que não paguem impostos, não é como se fosse afundar com a economia do país! Menos, bem menos”, critica outro leitor.
O coordenador geral da CDHPF Paulo Carbonari foi acionado por populares ainda durante a ação de fiscais e policiais. Pessoas que consideraram desproporcional o uso da força usado durante a apreensão das mercadorias solicitaram que a comissão interviesse na situação. Carbonari destaca que para compreender a situação é necessário também entender o contexto da imigração em Passo Fundo. Os senegaleses chegaram aqui em um período em que a economia estava aquecida e se inseriram no mercado de trabalho de diversas formas, como na indústria alimentícia e na construção civil, por exemplo. No entanto, em função da crise passou a aumentar o número de imigrantes trabalhando informalmente na cidade. “As primeiras vítimas de uma crise sempre são os mais frágeis e eles estão entre os mais frágeis e sofrem com essa situação e a alternativa foi o comércio informal”, pontua.
Falta de uma política pública
Para Carbonari a situação vivenciada na tarde de quarta-feira é resultado da falta de planejamento e de criação de políticas públicas voltadas aos imigrantes no município. “Todo o tempo de debate sobre a imigração em Passo Fundo insistimos, junto com o Fórum das Migrações, que seria importante construir políticas para acompanhar e receber bem esses imigrantes. Infelizmente o poder público local nunca esteve aberto e nem fez ações políticas para inserção desses imigrantes na nossa comunidade”, contextualiza. Para ele, a forma de atuação demonstra que a fórmula utilizada para solucionar o problema foi a de transformar uma questão social em uma questão policial. “Temos um problema, então vamos envolver a polícia. Eles estão vendendo ilegalmente, o argumento formalmente está correto, eles não tem as condições formais para o comércio, portanto vamos impor sobre eles a lei e se eles não se submetem a lei, vamos chamar a polícia, ao invés de lidar com o problema de forma positiva, encontrar alternativas e soluções para pensar um problema estrutural que não atinge só os imigrantes, mas que a eles atinge de forma mais direta porque são mais frágeis” critica.
Segundo Carbonari, o pedido ao Ministério Público será de investigação do uso desproporcional da força contra os vendedores ambulantes. “Toda ação policial tem de ser no sentido de conter quem não se submeter a lei, mas dentro dos limites e da proporcionalidade. O excesso, o descontrole da ação policial e das forças nesse caso é que entendemos que deva ser coibido”, justifica. Além disso, a Comissão está buscando a realização de uma audiência pública com o Conselho Estadual de Direitos Humanos para ampliar discussão acerca do ocorrido.
Associação Passo-fundense dos Senegaleses
Advogado da Associação Passo-fundense dos Senegaleses, Luiz Alfredo Gallas, também se manifestou ontem à tarde, em relação ao episódio. Segundo ele, a entidade já conversou com os associados sobre a lei municipal que proíbe o comércio ambulante no município. Disse também que nem todos os senegaleses instalados em Passo Fundo mantém vinculo com a Associação. Por outro lado, defende uma mudança ou flexibilização desta lei, para que estas pessoas possam garantir seu sustento. Gallas disse estranhar ações sistemáticas contra os africanos,e que a entidade, no ano passado, participou de algumas reuniões com a Comissão de Educação e Bem Estar Social (Cebes), para debater sobre o tema, mas as tratativas não evoluíram. Ele explicou que as mercadorias vendidas por eles são adquiridas em São Paulo, portanto, têm procedência. “Acontece que um senegalês vai a São Paulo e compra para um grupo e recebe uma nota conjunta. Por isso, eles têm dificuldade em comprovar a origem. Eles entendem que a atividade é lícita e não querem depender do poder público” afirma. Gallas também criticou a violência com que os ambulantes foram abordados pelos fiscais e Brigada Militar. “Nada justifica uma ação como aquela. As pessoas que acompanharam ficaram indignadas com a abordagem. Esta situação não pode se repetir” afirmou.
Entidades divulgam nota
A Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), a Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agronegócio (ACISA) e o Sindicato do Comércio Varejista (SINDILOJAS Passo Fundo), entidades que representam o comércio de Passo Fundo, se posicionam, através de nota, a favor do cumprimento da legislação que disciplina o comércio ambulante e eventual em vias e logradouros públicos.
“As entidades entendem que o comércio informal, que comercializa produtos sem procedência comprovada e podem, inclusive, trazer prejuízo a saúde dos consumidores é também prejudicial aos lojistas que mantêm seus estabelecimentos comerciais legalizados pagando impostos e gerando empregos.
A CDL, ACISA e SINDILOJAS Passo Fundo participam ativamente de discussões sobre o comércio ilegal no município juntamente com órgãos públicos. Exemplo disso são os encontros e o Grupo de Trabalho propostos pela Comissão de Educação e Bem-Estar Social (Cebes) da Câmara de Vereadores com o intuito de buscar alternativas para que a lei seja cumprida e o trabalhador informal seja amparado pelo município.
As entidades acreditam que o assunto será resolvido após muito debate e ações conjuntas entre as entidades que representam o comércio, os órgãos públicos e a sociedade afim de que se busque um consenso e uma solução para o comércio ilegal de Passo Fundo.”