Não, contos de fadas não são historinhas de mulheres indefesas e homens maravilhosamente irreais. Contos de fadas são histórias que bebem na fonte da realidade mais profunda do ser humano.
A Bela e a Fera é um exemplo a considerar. Geralmente pensamos nessa história como proveniente do folclore ou da mitologia, sem autor específico. Ou, pior ainda, criada por Walt Disney. Na verdade, A Bela e a Fera é um texto literário da autora francesa Madame Gabriele-Suzanne de Villeneuve, escrito em 1740.
De Villeneuve fazia parte do grupo de escritores de contos de fadas franceses, do qual também faziam parte Madame d’Aulnoy e Charles Perrault, para citar alguns. Para escrever essa história, ela foi influenciada por outras histórias do grupo, pelo mito de Eros e Psiquê e pelos vários contos de noivos com forma animal existentes no folclore. A história de A Bela e a Fera de Villeneuve trata de questões presentes na vida das mulheres da época e era uma crítica ao sistema matrimonial no qual as mulheres não tinham direito a virtualmente nada : escolher o próprio marido, recusar-se a acolhê-lo em sua cama, controlar suas posses e ao divórcio. Com frequência “eram entregues” aos quatorze ou quinze anos a maridos décadas mais velhos que elas e se demonstrassem insatisfação com o casamento corriam o risco de ser mandadas para sanatórios ou conventos.
No caso de A Bela e a Fera, através da metáfora do noivo Fera, o medo real de ser dada em casamento a um estranho violento e abusivo faz-se presente. A versão de Villeneuve, escrita para o público adulto, é diferente da versão pasteurizada que consumimos hoje: o pai, um sem caráter, entrega a filha para a Fera para livrar sua própria pele das dívidas que o assolam. A Fera, por sua vez, não é um fidalgo coberto por uma pele de animal : é, outrossim, um homem agressivo e amargurado que já se perdeu de sua humanidade; é uma alma perdida. A ênfase da história se dá na trajetória desse homem de volta à civilização e ao afeto e é somente nesse ponto que Bela se apaixona por ele e o aceita como companheiro (note-se que, mesmo prisioneira desse homem ela não o aceitava como parte de seu destino). Ao presenciar todo o esforço da Fera de se tornar um ser humano decente de novo, ela o ama.
Talvez a melhor mensagem que essa história transmita às mulheres- ainda hoje, diga-se de passagem- é a de que Bestas/Feras não devem ter lugar no coração de ninguém, não importa o quanto o tentem à força de persuasão. Para ser amado, é preciso ser capaz de amar verdadeiramente também. Feras narcisistas e machistas, não importa o quão abastadas ou sedutoras, são um atraso e um perigo na vida das mulheres. Toda mulher deve ser dona de sua cabeça, de seu corpo e de seu coração. A menos que se civilizem e se eduquem para tornarem-se seres humanos verdadeiros, o destino das Feras deve ser o de ter que conviver com si mesmos e seus espelhos.
Feliz Dia Internacional da Mulher a todas nós!