OPINIÃO

Sobre valores e cascatas

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Toda empresa bacana tem afixado em local de grande visibilidade um cartaz onde consta: negócio, missão, visão e valores. Ou seja, qual é o meu ramo, onde quero chegar em curto-médio-longo prazo e quais as ferramentas que balizarão a filosofia de trabalho.
Seria bacana se considerássemos que somos uma empresa, mesmo que trabalhemos em carreira solo e tivéssemos com absoluta clareza a certeza do que queremos para focar e otimizar recursos. Mas, a coisa não funciona assim porque somos envolvidos em aspectos sentimentais, fraternais, paternais, financeiros, religiosos e somos condicionados ao meio social ditado por política econômica que tira e dá oportunidades. E é nesse balanço entre avançar ou perecer que cresce a importância de sabermos quais os reais valores que estampam nossas figuras.
Se inquiríssemos ao acaso receberíamos como respostas à cerca dos valores o seguinte: paz mundial, democracia, justiça social, fome zero, fraternidade, fé, amor no coração...São os valores que contamos aos outros como se de nós fossem cláusulas pétreas. São valores para consumo externo, aqueles para constar em discursos e arrancar aplausos dos puxa-sacos ou, ainda, segundo a inolvidável Araci de Almeida, cascatas. Araci diria mais, diria: o que é ilsso? Deixa dilsso!
Conheço muitos que gritam: exijo respeito, exijo eficiência, quero ser ouvido, quero ser valorizado...Só que quem isso não oferece, não tem como exigir, a não ser na ameaça. Gente grande faz coisas grandes, gente pequena faz coisas pequenas.
Em 1995 Galvão Bueno relatou que um jornalista perguntou: quantos amigos você acha que tem? Cinquenta, respondeu Galvão. Quantos te emprestariam grana? Uns vinte. Desses vinte, quantos emprestariam sabendo que tu terias dificuldades em devolver? Uns três. Desses três quantos ofereceriam a grana sem que tu tivesses de passar a humilhação de pedi-la emprestada? Um deles, somente, concluiu Galvão. Pois, esse é o teu amigo, aquele que se antecipa.
Quem tem a sorte de ter um amigo assim? A pergunta mais fodástica, no entanto, é: será que sou isso, antecipador, para alguém? Ofereço ajuda, ombro amigo, meu precioso tempo para ouvir, sou compartilhador? Quais são os nossos reais valores, os em cascatas, para consumo interno? Sem os relacionamentos consistentes cairemos na vala comum da desolação, da vida vazia da materialidade. Quem não trocaria os imóveis e os investimentos arrolados ao longo dos anos pelo compartilhamento da vida com os filhos, aquele mesmo que foi solapado à guisa do trabalho ininterrupto a fim de conquistar a solidez do dinheiro. A vida é simples, deveria ser simples porque as melhores coisas não dependem da grana. As melhores férias são as passamos com as pessoas que amamos independente dos lugares em que estivermos. Se, entretanto, o valor que reconhecemos é o dinheiro, é melhor ler mais sobre o amigo francês de Galvão Bueno, aquele mesmo que reconheceu a vida destacada naquilo que damos exagerada importância, as sobras e os lucros. As empresas que focam em sobras acima da qualidade do produto oferecido tendem a soçobrar, assim como os relacionamentos que não calcados no que realmente vale na vida.

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