A influência do clima na formação da identidade de uma nação é o tema do livro “Snow in America”, de Bernard Mergen, publicado pela Smithsonian Institution Press, em 1997. É evidente, pelo título, que trata da formação da identidade nacional dos Estados Unidos da América (EUA). Porém a sua base conceitual é aplicável para outros países ou, até mesmo, para regiões dentro de um país, incluindo o nosso tropical Brasil.
Desde a colonização, os EUA foram identificados como um país com as estações do ano claramente definidas. E a caraterística marcante do inverno era a neve, que ocorria em quantidade maior do que na Europa, de onde vieram os colonizadores britânicos. Sobreviver ao rigor do inverno era, para os colonizadores, um sinal de superioridade física e moral. Assim, a neve se constituiu em um referencial do inverno na sociedade americana. Thomas Jefferson, em suas notas sobre o estado de Virginia, manifestou-se em relação aos invernos, que estariam ficando mais quentes e com menos neve. Escreveu ele, em 1782: “nevascas são menos frequentes e menos profundas”. Também o dicionarista Noah Webster expressou o seu amor à neve na edição de 1828 do “American Dictionary of the English Language”. Concluiu a definição da palavra neve (“snow”) com a seguinte observação: “quando não há vento, os cristais caem em flocos ou em conjuntos que não se quebram, sendo, às vezes, extremamente bonitos”.
O culto americano à neve acentuou-se no século 19. Em 1834, a revista People’s Almanac trouxe a público o drama de Elizabeth Woodcock. Em 1799, durante uma viagem a cavalo entre Cambridge e Impington, Massachusetts, ela ficou presa na neve. Após oito dias na neve, ela foi resgatada. Seus pés tiveram de ser amputados e cinco meses depois ela morria. O infortúnio de Elizabeth motivou o mito da mulher congelada presa na neve. Músicas, poesias, pinturas retratavam o drama da mãe na tempestade de neve. Em algumas versões, mãe e filho morriam. Em outras, a criança era resgatada com vida.
E assim, ao longo do tempo, o surgimento de jogos de “guerra” com bolas de neve, brincadeiras envolvendo a construção de bonecos de neve e a cultura da limpeza da neve acumulada nas calçadas em frente às casas ajudaram a criar uma nova identidade nacional para os americanos, que não está baseada unicamente na sua realidade social e política, mas também na natureza. No inverno, a estrela maior é a neve. E o setor de turismo americano capitaliza isso muito bem. O natal com neve, em Nova York, atrai pessoas do mundo todo, por exemplo.
O Brasil também tem a sua identidade climática. E ela está ligada aos trópicos – sol e calor. Praias ensolaradas, Rio de Janeiro, alguns estados nordestinos e floresta equatorial (“rain forest”), Amazônia, são caracterizadores do nosso País no exterior. A corrente do determinismo geográfico, hoje ultrapassada, nos identificou com a chamada “preguiça tropical”. A falta de desafios impostos pelo meio físico forjaria um tipo humano acomodado. Mário de Andrade, com Macunaíma (o herói sem nenhum caráter) e sua clássica fala “Ai que preguiça!”, personifica bem esse mito.
Todavia, o Brasil é territorialmente muito grande. Possui diversidade de tipos climáticos. O Rio Grande do Sul, por exemplo, já faz algum tempo, por meio de campanhas publicitárias, buscou identificar-se com o frio. O objetivo foi o desenvolvimento de um turismo de inverno, enquanto o resto de País explora, e bem, o verão. A serra gaúcha, pelo setor de turismo, busca essa identificação regional para a sua sustentabilidade econômica, inequivocamente. Todavia, a criação de uma identidade baseada no clima não acontece em curto prazo, frise-se.
Por enquanto, ainda temos de lutar com a nossa identificação nacional, que, aos olhos do mundo, é de um país tropical – sol, praia, índios, carnaval e futebol – com um tipo humano acomodado pelo meio. Aliás, vale refletir, quem foi à Bahia e não voltou com a sensação de que lá não há pressa?