Os sociólogos Jonathan R. Cole, da Universidade Columbia, e Stefhen Cole, da Universidade Estadual de Nova Iorque, em artigo publicado na edição de 27 de outubro de 1972 da revista Science, denominado “The Ortega Hypothesis”, rejeitaram, com base em análise bibliométrica de citações afeitas ao universo das ciências físicas, a hipótese Ortega, que, segundo eles, foi construída a partir da obra “La rebelión de las masas”, do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, podendo ser assim sintetizada: “La ciencia experimental ha progresado en buena parte merced al trabajo de hombres fabulosamente mediocres, y aun menos que mediocres”. Concluíram, pelos resultados que encontraram, que apenas uns poucos cientistas contribuem para o progresso da ciência. Alternativamente, em dois artigos publicados na revista Social Science Information, 1976 e 1979, Stephen P. Turner e Daryl E. Chubim, professores de sociologia vinculados à Universidade do Sul da Flórida e à Universidade Cornell; respectivamente, fizerem outra leitura dos resultados encontrados por Jonathan R. Cole e Stefhen Cole, embora sem negá-los, que ficou conhecida como hipótese Eclesiastes.
No evangelho de São Mateus e no livro do Eclesiastes, pela riqueza de exemplos, podemos encontrar paralelismos e uma gama de interpretações possíveis, consubstanciados nos textos bíblicos, para os mais diversos comportamentos do dia a dia do mundo real dos cientistas.
O reconhecimento da autoria de artigos científicos é exemplar. Quando, entre os autores, há um cientista de renome, em meio a outros desconhecidos, estilo “ninguém”, “ninguém” e “alguém”, independentemente da ordem de autoria, o artigo em questão é comumente referido como sendo de “alguém”. Há quem veja nisso a materialização das mesóclises da parábola dos talentos (Mateus, 25:29): “Porque a todo o que já tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância: e ao que não tem, tirar-se-lhe-á até o que parece que tem”.
A questão principal enfocada por Stephen P. Turner e Daryl E. Chubim, na sua hipótese Eclesiastes, é o uso dos talentos, entenda-se dos cientistas e suas contribuições, em meio a um sistema de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I), cujo comportamento, supõe-se, tem algo de aleatório e, não raro, a marca da casualidade. Reviveram o Eclesiastes (9:11): “Eu me voltei para outra coisa, e vi que debaixo do sol não é o prêmio para os que melhor correm, nem a guerra para os que são mais fortes, nem o pão para os que são mais sábios, nem a riqueza para os que são mais doutos, nem a boa aceitação para os que são mais hábeis artífices: mas que tudo se faz por encontro e por casualidade”. Nessa mesma linha, sobre o papel do acaso, Maquiavel nos ensinou que temos o controle sobre a metade das coisas e a que a sorte é o juiz da outra metade; embora Pasteur tenha contrabalançado com a assertiva de que, em ciência, a sorte favorece apenas as mentes preparadas.
Pela hipótese Eclesiastes, não se trata de uma mera questão de exclusão da maioria dos cientistas do sistema de C,T&I, como uma leitura apressada da hipótese Ortega poderia sugerir, mas em se buscar uma maior eficiência na utilização dos talentos. Afinal, é equivocado imaginar que se pode medir eminência e se dar o devido reconhecimento a um cientista com base exclusivamente na métrica da sua produção de artigos e citações bibliográficas (a ciência da quantidade). São duas as categorias de cientistas: os eminentes e os obscuros. Um cientista adquire o status de eminência pela relevância do seu trabalho e reconhecimento, pelos pares e pela sociedade. E nessa questão da eminência, como bem frisa o Eclesiastes, o acaso pode desempenhar seu papel. Gregor Mendel é o exemplo de cientista, cuja relevância das suas leis da hereditariedade hoje ninguém desconhece, mas que foi sobejamente ignorado pelos seus contemporâneos. Qual teria sido o reconhecimento de Mendel, na sua época, se, em vez de um obscuro monge agostiniano, ele tivesse sido um catedrático da Universidade de Berlin?