OPINIÃO

Jorge, Luís e Borges

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Jorge (meu pai, falecido), Luís (tio materno, falecido) e Alaor Borges (casado com minha prima mais esperta, Helena) tinham laços congruentes: eram meus parentes, eram sargentos do exército e eram possuídos de alegria contagiante. Moldaram minha personalidade pelas práticas do bom humor e otimismo, características que tento empregar em meu dia-a-dia. Os três me remetem aos domingos de ramos dos anos 1960. Tradicionalmente os fiéis trazem para suas casas os abençoados ramos para energizar o ambiente, ramos que foram usados na semana da páscoa há dois mil anos quando o filho do carpinteiro adentrou a Jerusalém. Aos domingos de ramos sobrevém meu passado ligados aos queridos parceiros de existência. Sempre prometo que irei à Cruz Alta nessa data e não cumpro por diversos motivos sempre ligados à profissão que abracei.  Mas, não desisti da ideia.

Já Jorge Luis Borges, nascido no elegante bairro de Palermo, poliglota e intelectual, escreveu obras densas, que confesso a necessidade de aprofundar, assim também como devo fazer em Gabriel Garcìa Marques e Julio Cortazar. A cegueira proporcionou a Borges a criação aprofundada de seus personagens marcados de mistérios e de elucubrações de cunho religioso-metafísico porque ele vislumbrava com os olhos da alma. Sua obra se assenta numa Buenos Aires pungente em que imaginamos uma atmosfera noir, de grossos casacos e de elegâncias infindas de homens e mulheres, ambiente fumacento, tangos melodiosos e café ou vinho. Essa atmosfera carregada de imagens e de significados me trazem a mãe romântica e nostálgica aos meus olhos e peito pois, assim como ela, essas coisas são eternas. Talvez, também por isso o restante do país devesse entender porque nós rio-grandenses somos tão apaixonados pela Argentina e Buenos Aires. Buenos Aires me traz a elegância de Rui Carlos Osterman, na descrição pormenorizada dos pratos que se serviam e dos acompanhamentos, além da poesia e dos ricos embates que a filosofia, da qual foi professor, é capaz de conduzir. A filosofia extrai o que há de melhor em nós, faz extrapolar o homem da mesmice que o cerca. Jorge Luis Borges foi homenageado por Humberto Eco em O Nome da Rosa no personagem cego Jorge de Burgos e na biblioteca do mosteiro, baseada no conto de Borges A Biblioteca de Babel.

La Biela, Avenida Quintana 596, café do bairro Recoleta, quase em frente ao cemitério onde seu muro dianteiro alerta em uma inscrição: aqui descansam as pessoas que nos precederam e que construíram esse país e que merecem nosso respeito – algo assim. La Biela, mesa um, aqui, diz o garçom, sentavam Juan Fangio, Carlos Reutemann (ex-pilotos de Fórmula Um) e Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo. De fato, há fotos bacanas que provam isso aí. Sentei-me na esperança de, por osmose, captar um pouco da grandiosidade, esqueci de pedir que batessem uma foto e solicitei um malbec Altivo, safra 1990 (estávamos em 1998), 14º GL, de cor intensa, fruta fresca como a cereja, especiarias e aportes do envelhecimento em carvalho; precisava de alguma maneira saudá-los sussurrando que alguns são protagonistas e nosotros somos admiradores, mais do que isso, tietes. Pretendo voltar ao La Biela e carregar pelos meus olhos, os olhos de minha mãe, que lá nunca foi a não ser fechando os olhos para ver a imensidão do mundo, assim como Borges. A minha mãe, a Jorge, a Luís, a Borges e a Jorge Luis Borges, salud.

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