A Fundação Educacional da Criança e do Adolescente (FECA) tem nova diretoria desde terça-feira. O então presidente executivo interino, José Ourides, deixou seu posto para o delegado da Polícia Federal Mário Vieira. Ele – que disse ter se voluntariado para ocupar o cargo – assume junto do agora vice-presidente executivo, Paulo Gonçalves, e outros membros de entidades da cidade que ocupam lugares nos Conselhos Fiscal e Deliberativo. O previsto era que, junto da nova direção, também fosse divulgada a auditoria fiscal que devia investigar possíveis irregularidades na utilização de recursos da instituição.
Como o trabalho ainda não foi finalizado, a previsão é que as informações sejam divulgadas até o fim deste mês. Anunciado na metade de fevereiro, o processo foi solicitado pelo Conselho Deliberativo após denúncias de compra de carnes e bebidas alcoólicas em estabelecimentos locais com dados da organização pública. A entidade atende a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. De acordo com a nota divulgada na época, havia “indícios suficientes sobre qualquer irregularidade”. Em cima disso a auditoria levanta dados para, mais tarde, serem encaminhados ao Ministério Público Estadual das Fundações, como forma de dados para investigação.
Na nova direção, o Conselho Deliberativo segue formado com o mesmo grupo de entidades. As exceções são a Câmara de Vereadores e o Lions Clube, que não teria indicado um representante para fazer parte do grupo. Já o Legislativo decidiu ainda no começo do ano, por meio da Mesa Diretora, de que não teria mais representantes participando de comissões externas municipais. O entendimento partiu do ponto de que o vereador deve ser preservado de qualquer ação cível ou criminal posterior, “e até uma possível improbidade administrativa que porventura acabe acontecendo”, como declarou o presidente da Casa, Patric Cavalcanti (DEM), quando a decisão foi tomada, em fevereiro. A restrição atende apenas entidades pública; a participação nas particulares está liberada. O Conselho Fiscal da entidade fica representado pela Ordem de Advogados do Brasil (OAB Passo Fundo); Sindicato Rural e Acisa.
“Coloquei meu nome à disposição”
Em entrevista, Mário Vieira declarou que voluntariou-se ao cargo de presidente executivo da instituição. Entre suas intenções, diz que pretende “restituir a Fundação ao que ela tem que ser”. “Ela foi criada com a finalidade de recolher os menores das ruas. Pretendo adaptá-la novamente a essa finalidade. Agora, por não preenchermos as necessidades do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não podemos ter menores morando lá e, por isso, vamos oferecer oficinas para menores da cidade”, disse ele. As oficinas as quais se refere começarão a ser realizadas na próxima segunda-feira (17) – o dia de abertura oficial do ano na entidade. As atividades acontecerão nos turnos manhã e tarde. Pelo menos 50 jovens de 6 a 16 anos estão inscritos – a maioria vindo da região das imediações dos bairros São José e Petrópolis. As oficinas – que duram o ano todo – envolvem a prática esportiva, formação para o mercado de trabalho, e aulas de teatro, artesanato, culinária e cuidados com hortaliças. Com equipe técnica de funcionários, as oficinas são dadas por facilitadores voluntários. Quem informou foi a secretária da Fundação, Cristiane Flores.
O objetivo do delegado é, primeiramente, reformular o estatuto da entidade. Fazendo isso, existe possibilidade legal de, no futuro, ampliar o atendimento e até transformar o local em um abrigo para menores, como o próprio defende. “Vamos adaptar o estatuto ao ECA. Queremos atender a criança e o adolescente em vulnerabilidade social. Inclusive a discussão que existe sobre se a Fundação é pública ou privada vai ser definida. Já vamos começar as tratativas; a conversar com autoridades como o Ministério Público, pra reformular a dar segmento a alteração estatuto”, disse ele. Os investimentos para ampliação, segundo ele, deverão ser negociados com entidades locais. “Quero conversar com entidades, fazer projetos com a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), conseguir verbas e fazer tudo que for possível para ajudar os hipossuficientes”, pontuou ele.
Sobre as supostas irregularidades, Vieira afirmou que não se pronunciará sobre o caso. “Acredito que antes a entidade não funcionava, ao meu ver, de um jeito muito adequado. Dessa forma foi mudada toda a diretoria; houve um certo escândalo, mas sobre isso não vou falar. Meu pronunciamento aqui será do dia que assumi até minha saída”, declarou, já adiantando que falará mais sobre a questão depois que tiver em mãos os resultados da auditoria. Indiretamente, Mário também também envolvido na questão. Foi ele quem recebeu a suposta denúncia de uma colaboradora da Fundação no começo do ano, como delegado da Polícia Federal. Além da auditoria interna realizada pela instituição, uma auditoria externa também deve ser solicitada pelo Ministério Público. As contas estudadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) também devem ser finalizadas até o final deste mês.
Ex-diretor defendeu-se de supostas irregularidades
Em março, o ex-diretor da Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (FECA), Julio Martins César Leite, falou sobre as supostas irregularidades para a Comissão de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano e do Interior da Câmara de Vereadores. Ele foi questionado sobre valores gastos em combustível, carnes, bebidas alcoólicas e materiais de construção revelados através do nome da entidade. O primeiro quesito – combustível – Leite explicou que a Fundação produzia e fornecia pães para as escolas municipais e, por conta disso, o gasto de combustível tornava-se elevado porque necessitava fazer transporte aos locais de entrega. Outra questão era sobre a compra de carnes. Como explicou o diretor desligado, houve um período – de 70 dias, aproximadamente – em que os funcionários iniciavam as atividades por volta das 7h e encerravam às 15h. Assim era preciso conceder almoço aos servidores. Já sobre as denúncias de compra de espumantes, Julio explicou que se tratou de um brinde aos funcionários para as festas de fim de ano. Segundo ele, cada um teria recebido um espumante e um panetone na comemoração. “Foi uma sugestão minha ao presidente, que disse que não havia problema”, enfatizou.
Já sobre a compra de bebidas alcoólicas e cigarros ligada ao nome da instituição. Conforme Leite, o pagamento de funcionários que auxiliam na fabricação dos pães e que realizavam demais serviços na fundação receberem, muitas vezes, um vale para ser gasto no mercado onde a Fundação costumava fazer compras. “Eu não imaginava o que elas estariam comprando. Eu tinha que cumprir um contrato. Essas coisas [dar os vales] eram necessárias para fazer as coisas andarem”, explicou ele. De acordo com Julio, não apenas alimentos, mas também materiais de construção costumavam ser comprados com vales, já que muitas vezes os repasses de dois convênios com a Prefeitura caíam na conta bancária com atraso. Leite também afirmou que existiu “deslocamento de verbas para que os funcionários fossem pagos em dia”. Julio assumiu a função de diretor na Fundação no final de 2012, mas esteve ligado a instituição por mais tempo, em diversos setores. Seu desligamento se deu no final de 2016.