A proibição do estacionamento de veículos em vias públicas – num raio de 100 metros dos postos de combustível, das 22h às 6h – já não vale mais em Passo Fundo. Desde o dia 6 de abril, a lei nº 4.849/2011 foi considerada inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Transitada em julgado, esta foi a decisão final e unânime entre 23 desembargadores: sem margem para ingresso de recurso, a lei perde seu efeito desde o princípio. A decisão marca uma insistência antiga da Associação de Moradores e Amigos do Centro (AMAC): foi a entidade que solicitou a abertura do processo, que ingressou no Órgão Especial em março de 2016. “A lei perdeu a sua eficácia. A partir desta data [6 de abril] a Prefeitura precisa remarcar todas as ruas e retirar todas as placas. Além disso, quem foi multado e se sentiu lesado na época da vigência, pode ter suas despesas [com multa e guincho, por exemplo] ressarcidas. Quando a lei é entendida como inconstitucional, ela perde seu efeito por todo o período em que esteve em vigor”, explica o advogado que ajuizou a ação e representante da AMAC, Nelson Tagliari.
No processo online, o último julgamento declara a decisão unânime do Órgão: a Ação Direta de Inconstitucionalidade é procedente. O motivo é pelo vício de iniciativa da matéria. Em resumo, uma lei do gênero nunca poderia ter partido da Câmara de Vereadores; o ideal é que viesse diretamente da Prefeitura. “A referida lei, ao tratar da proibição do estacionamento de veículos em via pública, invadiu a competência privada do Poder Executivo”, diz o processo, que acrescenta que houve a violação ao princípio da separação e independência dos poderes.
Além disso, outra questão está ligada ao fato de que a lei aprovada e criada pela Câmara acarretava em providências que geravam custos ao município: para que a legislação fosse cumprida, era necessário que se pintassem faixas especiais no meio-fio das ruas e se instalassem placas de sinalização. Em outro ponto destacado, o Órgão também entendeu que, com a proibição, os moradores da região também eram prejudicados. “Centenas de moradores da região central não podem estacionar seus veículos na frente de suas próprias residências”, diz o relatório final. A fiscalização na região também foi destacada pelos desembargadores. “Tão logo a lei foi promulgada, havia intensa fiscalização dos agentes de trânsito municipais nos locais onde passou a ser proibido estacionar, porém, no último ano, a fiscalização deixou de existir”, mostra o documento.
Próximos passos
Em termos jurídicos, por ter sido entendida como inconstitucional, a lei perde seu efeito desde o princípio. “É como se nunca tivesse existido. Os atos praticados na vigência dela se tornam nulos”, explica Tagliari. Ela não é revogada ou alterada – pelo contrário: apenas perde a sua função e eficácia. Já em termos práticos, o Órgão Especial defende a remoção de todas as placas de proibição de estacionamento existentes e instaladas por conta da lei. É possível, também, que os condutores que se sentiram lesados através do estacionamento antes proibido agora tenham seus valores gastos em multas ou guincho, por exemplo, ressarcidos.
Estes efeitos, no entanto, não acontecem de forma automática. “Não é porque você foi multado que vai imediatamente receber o seu dinheiro de volta”, explica outro advogado ligado à ação, Cassiano Marcondes Träsel. “O ressarcimento pode acontecer por meio judicial, através de uma ação, ou por processo administrativo. Ou seja, a pessoa pode ir até a Prefeitura e solicitar a abertura de um processo para pedir o dinheiro de volta. Neste caso, vão ser averiguadas várias questões”, completa. Dentre as questões citadas pelo advogado, algumas envolvem, por exemplo, de qual órgão veio a multa – da Guarda Municipal de Trânsito; da Brigada Militar, etc. “Depende muito de quem multou para levar adiante a questão de devolução de valores. Nestes casos, a pessoa pode buscar por um profissional ou ingressar com ação até mesmo sozinha”, termina ele.
Lei controversa
A Lei 4.849 não diz só respeito ao estacionamento no centro. Ela também regula o horário de funcionamento das lojas de conveniência em postos de combustíveis da cidade: desde então, estes estabelecimentos estão proibidos de funcionar da meia noite às 6h. Além disso, ela proíbe o consumo de bebidas alcoólicas nos recintos dos postos e num raio de até 100 metros de distância, durante os horários definidos. Estas questões, no entanto, não foram mexidas pelo Tribunal de Justiça. A inconstitucionalidade está voltada apenas à proibição do estacionamento. O texto original foi protocolado pelo vereador Luiz Miguel Scheis (PDT) e protocolado pelo então prefeito Airton Dipp no final de 2011, quando o apelo pela frequente perturbação ao sossego público era comum entre os moradores da Rua Moron.
Ainda assim, existe possibilidade de os estacionamentos serem proibidos no local. Se o Executivo julgar necessário, ele mesmo poderá elaborar uma lei que defina isso. Se partir dele – e a Câmara aprovar no Plenário – não tem escapatória: a proibição continua. Procurada, a Prefeitura de Passo Fundo não foi encontrada para se manifestar sobre o assunto. No relatório do Tribunal de Justiça, a Câmara de Vereadores não se pronunciou a respeito.