É em Hamlet, a grande tragédia da dúvida, escrita por William Shakespeare por volta do ano 1600, mais do que em algumas falas dos participantes do Fórum do Trigo, realizado no Centro de Eventos da UPF, na tarde do dia 18 de abril de 2017, que os triticultores brasileiros, possivelmente, poderão encontrar a resposta para a tomada de decisão se devem ou não plantar esse cereal na safra de 2017; que ora está iniciando no sul do Brasil. Nos solilóquios desesperados do príncipe da Dinamarca diante da violência do mundo há mais esperança do que se pode depreender dos discursos de alguns participantes da plateia do Fórum do Trigo. Tal qual em Hamlet, na questão plantar ou não plantar trigo, as aparências enganam e a resposta não pode ser embasada mais em paixão do que em razão, como se fora uma mera representação de luta entre o bem e o mal. Nesse caso, plantar ou não plantar trigo, é uma questão de gestão de negócios, com visão de longo prazo e opção pela sustentabilidade dos empreendimentos e que não pode ser contaminada por discursos imediatistas e ideologias de ocasião.
São muitos os argumentos, tanto pelo sim quanto pelo não, para quem quiser adotar um posicionamento que seja minimamente fundamentado sobre plantar ou não plantar trigo no Brasil. Vamos começar pelos que nos parecem mais robustos e que por ora tem dado o tom das discussões sobre o assunto. Inquestionavelmente, há dificuldades para se produzir trigo no Brasil, tanto envolvendo nossas instabilidades ambientais quanto institucionais; por um lado. Mas, por outro lado, também é inegável que possuímos domínio tecnológico, clima, solo e triticultores experientes, para a produção competitiva e sustentável de trigo no País. Não há dúvida que, na área de genética de trigo, nossas cultivares são bem adaptadas ao ambiente brasileiro, produtivas e que possuem padrão de qualidade tecnológica para atender aos mais diferentes usos. Os nossos profissionais da assistência técnica sabem como bem manejar as lavouras desse cereal. E some-se que, na maioria dos estabelecimentos rurais dedicados ao cultivo de grãos no verão (soja e milho, por exemplo), a mesma estrutura de produção pode ser usada no trigo no inverno, não exigindo, portanto, a mobilização de investimentos específicos para essa finalidade. E que são indiscutíveis as vantagens da soja cultivada sobre resteva de trigo, quer seja pela melhor qualidade da semeadura, pelo aproveitamento residual de nutrientes e/ou pela supressão de plantas daninhas de difícil controle, caso da buva, que competem com essa oleaginosa. Então, por que, apesar de tantos argumentos favoráveis e aparentemente consistentes, uma aura de pessimismo insiste em dominar as discussões quando o assunto é a produção de trigo no Brasil? Há que se entender a razão desse mau agouro de ocasião e o que pode ser feito para se lidar melhor com a delicada questão da produção de trigo no Brasil.
A explicação mais provável, na minha percepção, talvez resida na frustração de expectativa de liquidez experimentada pelos triticultores, que, com pequenas variações, se repete a cada safra, quando é chegada a hora da comercialização desse cereal no País. É nesse momento que os discursos apenas tangenciam a solução do problema, ao focarem na busca de culpados e replicarem argumentos que são apenas parcialmente corretos. Insistem alguns: falta política agrícola no Brasil. Não procede, pois há instrumentos de crédito, seguro rural e de apoio à comercialização. A indústria moageira não quer comprar o produto nacional. Também equivocado, pois, em tese, o moinho local seria o maior aliado do produtor local, mas, em se tratando de negócios, legitimamente, o empresariado desse setor busca qualidade e preços e não carregar estoques de grãos, para melhor competir no mercado. E outros tantos, como a reiterada guerra fiscal entre as Unidades da Federação, os entraves de logística ligados à navegação e cabotagem, etc. O assunto não se estanca por aqui. CONTINUA NA PRÓXIMA COLUNA.