OPINIÃO

Sinais de civilização

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Um homem em uma jangada improvisada com os restos do barco que recém afundara navega por mares bravios em meio a ilhas selvagens que não ousa se aproximar. Passam-se sois, luas, semanas e meses até que, prestes a perder as esperanças, avista uma ilha em cuja paisagem sobressaem-se forcas e corpos humanos dependurados. O náufrago ruma apressado para a costa. Pisa em terra firma, ergue as mão para o céu, e exulta: Ufa! Até que enfim, sinais de civilização.

Essa história antiga, com muitas versões e adaptações de autores das mais variadas matizes, pode ser útil para entendermos melhor o momento que ora estamos vivendo no Brasil, em que, cada manhã, acordamos com operações da Polícia Federal, que atendem por nomes sugestivos e inspirados, encarregadas de prisões de agentes públicos e empresários, conduções coercitivas de autoridades, delações premiadas e divulgações/vazamentos de gravações de conversas telefônicas cujos conteúdos, à primeira vistas, podem parecer aterradores.  Em vez do fim do mundo, efetivamente, devemos interpretar esse momento histórico como sinais de democracia, que nos permite saber disso, como marcas de uma civilização e suas práticas de condutas questionáveis, que podem e devem ser mudadas se quisermos, efetivamente, construirmos uma nação que mereça ser chamada de brasileira.

O lado menos mal de tudo isso é que, no seio da sociedade, ninguém pode se alvoroçar como paladino da moralidade. Há corruptos e corruptores denunciados para todos os gostos, desde a autoridade máxima da República até o funcionário público pejorativamente rotulado de barnabé, de empresários a executivos de elite, de deputados, senadores, governadores, prefeitos e vereadores e os chamados operadores de partidos políticos que, incrustados em cargos de diretorias das empresas estatais, deram seus préstimos para o desvio de vultosas quantias de recursos públicos que alimentaram os cofres de gente de credos que vão da extrema direita, passam pelo centro e chegam até a extrema esquerda.

Há, por mais estranho que possa parecer, pelo que se depreende das conversações entre os cidadãos comuns, que entre delatores e indiciados, há os que até gozam de certa simpatia e os que atraem o ódio extremo da população. No caso do senador Aécio Neves, por exemplo, ouvi de uma senhora recatada e dona de vocabulário refinado coisas do tipo “como fala palavrão o FDP desse Aécio!”. Os irmãos Batista, por ora, pelo estilo de vida que levam e vislumbra-se que levarão nos EUA e por, até então, terem, aparentemente, se saído muito bem de todo esse enrosco, são alvos do ódio de muita gente que vive abaixo do Equador. Outros, não menos culpados, fazem parte do grupo dos chamados delinquentes simpáticos, cujas façanhas gozam de certa benevolência da sociedade porque foram responsáveis por, em alguns casos, ao revelarem o elemento falso, possibilitarem o triunfo da verdade. O “prêmio” em vez de punição aos delinquentes simpáticos ou, se preferirem, aos delatores premiados dos nossos tempo, pode ser visto pelo lado de que se fizeram o que fizeram foi porque “alguém”, que se achava acima da lei, e que eles acabaram delatando, permitiram que fizessem. Ou que a Justiça pode ser feita por meio de punição ou de premiação. Escolham!

Por fim, a bem de preservar os princípios da Administração Pública fixados pela Constituição de 1988 (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência), talvez não seja descabido propor que a Procuradoria Geral da República organize um concurso para recrutar delatores premiados, com provas de conhecimento e títulos. Gente habilitada parece que não falta no Brasil para disputar essas vagas e há o risco, sem esse processo seletivo, de os procuradores incorrerem em improbidade administrativa. Nada mais triste para um colunista do que ter que explicar uma ironia. Você não vai fazer isso comigo, prezado leitor!

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