OPINIÃO

Oportunismo dos Vivos

Por
· 3 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Confesso que tenho tido dificuldades de escrever minha coluna quinzenal, mediante um cenário político e econômico que beiram ao caos. O ambiente político nacional pode ser comparado a devastações causadas por tempestades, furacões, incêndios, terremotos, até mesmo excesso de chuva que encharca a terra e mesma carrega tudo o que vê pela frente fazendo com que os rios transbordem e invadam as casas e as vidas de milhares de pessoas. Os últimos anos no Brasil tem sido de grande desolação, desemprego beirando aos 14 milhões de desempregados e as condições sociais derretem em uma velocidade de fazer inveja a Baumann em seu livro modernidade líquida.

Lembrei-me de uma aula de história que em algum momento marcou minha vida e veio em minhas lembranças dada a gravidade do momento no qual vivemos no Brasil. O que vivemos hoje me fez lembrar o terremoto de Lisboa, ocorrido em 1755.  Lisboa, primeiro de Novembro, dia de todos os santos, véspera de finados; a nobreza se retirara para o campo, de modo a aproveitar o feriado. Já a gente simples lotava as igrejas; acendia velas, pedia a Deus pelas almas. Às 9h40 da manhã, o tremor de terra que abalou a cidade pode ter chegado a 8 ou 9 pontos, numa escala moderna; foi descomunal. Logo veio o tsunami, com ondas de mais de 6 metros de altura, colocando a cidade baixa sob águas.

Na parte alta, o incêndio resultante da cera de milhares de velas, que escorria, pôs a arder as ruas e os corpos. A cidade foi destruída. Naturalmente, ocorreram saques de cadáveres, casas e igrejas; as autoridades determinaram que capturados, os saqueadores deveriam ser enforcados e expostos como exemplo. Possível imaginar o cenário: mortes por soterramento, mortes por afogamento, mortes pelo fogo, mortes por enforcamento: todos ali expostos, num quadro de terror.

De volta à Capital, El Rei, Dom José, reunido ao governo, perguntava: o que fazer? “Sepultar os mortos, cuidar dos vivos”. Há divergência quanto a autoria da frase — alguns atribuem a D. Pedro de Almeida, Marques de Alorna, outros a Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal —, o fato é que o conselho ecoou pelo reino. Primeiro-ministro, Pombal reuniu um seleto grupo de arquitetos, planejou-se o novo; para derrubar de vez o velho, nomeou oficial com autonomia para definir o que ia ao chão, o “Bota Abaixo”.

De acordo com o Professor Carlos Melo, a metáfora serve para a cena política nacional: o primeiro tremor foi o mensalão, depois a turbulência das primeiras ondas de 2013; a operação Lava Jato incendiou a parte alta da sociedade. Crise econômica, a teimosia de Dilma; Eduardo Cunha, o impeachment, Tchau Querida; Lula, Aécio, Michel Temer e seu governo controverso; Joesley Batista e mais outro tsunami — o que faltava? O farisaísmo dos políticos, o moralismo torto nas redes; a intolerância, a impossibilidade do diálogo.

Para o economista Marcos Lisboa é preciso fazer algumas avaliações e reavaliações, Minha Casa Minha Vida é um exemplo. Deu certo? Qual o grau de satisfação dos moradores? Tem saneamento, estão perto do trabalho, o dinheiro foi bem gasto, há projetos abandonados? Há obras de infraestrutura enferrujando, quanto dinheiro se investiu em projetos que fracassaram? Teve a refinaria Abreu e Lima, o Comperj. Foram repassados R$ 500 bilhões para o BNDES. Pelas contas do Ministério da Fazenda, o custo desse repasse para o governo, para a sociedade, foi de R$ 323 bilhões, em torno de US$ 120 bilhões. o Plano Marshall custou US$ 120 bilhões, trazendo para valor presente. O que o BNDES consumiu em recursos é equivalente ao Plano Marshall, que reconstruiu a Europa.

Quatorze milhões de desempregados, a expectativa frustrada do crescimento. O medo de retrocessos institucionais, políticos, democráticos; a desolação; a limitada perspectiva de futuro. O sistema político ruiu. Ninguém sabe por quanto tempo, nesse ambiente, o atual governo se sustentará. O que fazer? Seguindo a norma simples, como Pombal, o país deve sepultar os mortos deste processo; são vários, à suas almas cabe o despacho deste vale de lágrimas; que os corpos sejam recolhidos, com justiça. No mais, cuidar dos vivos, evitando o oportunismo dos muito vivos.

Gostou? Compartilhe