Na edição de O NACIONAL de 26 de março de 2009, aqui no espaço dessa coluna, eu fiz menção a um telefonema que havia recebido, uma semana antes, desde Montevidéu. No outro lado da linha, o interlocutor era Gerardo Arias, que, entre outras coisas, fez questão de dizer que, diferentemente da cena fictícia que criei na dedicatória do livro Cientistas no divã, em que simulo um diálogo com Jorge Luis Borges, ele, de fato, havia conversado com o escritor argentino. Então contou que, em 1955, quando era estudante em Montevidéu, teve oportunidade de assistir, na Universidade da República, a uma conferência de Borges. Terminada a apresentação, o escritor, que já gozava de certo prestígio, ainda que não tanto quanto atingiria depois e na atualidade, ficou à disposição dos estudantes. Gerardo Arias era um desses e conversou com Borges sobre o conto El Aleph, embora não recordasse o que o escritor lhe disse na ocasião. Contou com orgulho e convicto de ter vivido, naquele encontro com Borges, um momento único, que acentuou, com peculiar ironia, dizendo que, antes de qualquer outra coisa, iria revelar algo que me faria morrer de inveja (palavras dele): “eu falei com Borges!”
Essa semana, uma dessas notas protocolares de comunicação de falecimento, veiculada no e-mail corporativo da Embrapa, dava conta da morte de Gerardo Arias, ocorrida em Montevidéu, na ultima segunda-feira (29 de maio). Então, nos cabe refletir: quem foi Gerardo Arias? Que legado científico e prático deixou com o trabalho que realizou no melhoramento genético de cevada no Brasil?
Gerardo Nicolás Arias Durán y Veiga (1936-2017) é natural de Montevidéu, Uruguai, onde nasceu em 8 de outubro de 1936 (naturalizou-se brasileiro em 23/02/1979). Formou-se em Agronomia pela Universidade da República, Uruguai, em 1962. Depois de 14 anos trabalhando em melhoramento e fomento de cevada cervejeira para indústrias do Uruguai e do Brasil, foi contratado pela Embrapa, em 17/02/1977, para iniciar um projeto de pesquisa de cevada e um programa de melhoramento genético. Na condição de pesquisador da Embrapa, cumpriu doutoramento pela Universidade Técnica de Munique, Alemanha, entre novembro de 1980 e janeiro de 1985. E, entre maio de 2001 a setembro de 2002, participou do programa de pós-doutorado da Universidade do Estado de Washington, USA.
Depois de quase 29 anos de trabalho na Embrapa de Passo Fundo, Gerardo Arias aposentou-se em dezembro de 2005. Ao lado da esposa Amália, retornou a Montevidéu, cidade onde viveu até o derradeiro dia 29 de maio de 2017.
Homem de cultura diferenciada, Gerardo Arias dominava vários idiomas (espanhol, português, francês, italiano, latim, alemão e inglês, pelo menos).O trabalho de Gerardo Arias pode ser sintetizado na participação significativa que teve na criação de 14 cultivares de cevada mais produtivas, tolerantes às doenças e de melhor qualidade cervejeira. Foi responsável também pela introdução de genes especiais de qualidade cervejeira, em particular da cultivar Alexis, da Alemanha, em cultivares brasileiras de cevada e pelo uso de marcadores moleculares visando à seleção assistida em cevada. A produção bibliográfica de Gerardo Arias foi composta por 181 trabalhos científicos (como autor e co-autor) e seis livros publicado.
Para a nova geração de pesquisadores da Embrapa, Gerardo Arias deixou como recomendação a necessidade de que seja continuado o programa de melhoramento genético de cevada no Brasil, avaliando genótipos e introduzindo genes de tolerância a doenças (giberela, brusone, ferrugem, mancha em rede, viroses etc.) e aos estresses causados pelo excesso de alumínio nos nossos solos e por seca, sem descuidar da qualidade tecnológica da cevada para fins de malteação. É evidente que essas coisas ele não apresentou apenas como sugestões genéricas. Foi além e indicou as fontes e os genes responsáveis. Por ora, para quem quiser ir adiante: mãos à obra! e Requiescat in pace, Dr. Arias!