Atendo uma adolescente que causa preocupação a sua mãe em razão de um suposto desvio de comportamento. Pergunto sobre o que percebe de motivo de preocupações. Responde que o que a deixa mais chateada, no momento, é que seu celular deu pau (estragou). Diante dessa resposta poderia supor que nesse mundo de tantas desigualdades e alvoroços sociais-econômicos e de comportamento de jovens, essa menina estaria desconectada do ambiente que a cerca. Optei, no entanto, pela feliz contemplação de que o motivo de sua chateação poderia ser removido com o simples conserto de seu aparelho de comunicação em rede ou, ainda melhor, pela troca dele afinal, como se pode querer que os adolescentes vivam sem rede de relacionamentos?
Interessante observar que nas feiras de livros os títulos mais comercializados tratam de autores que abordam temas de ajuda, autoajuda ou livros sobre religiosidade-espiritualidade. Ninguém quer saber de livros de história, economia, biografias ou outros. Por que será?
Deve ser porque as pessoas buscam o que está definitivamente faltando a suas vidas e certamente não é a busca frenética informações econômicas ou históricas; as pessoas buscam estratos positivos para o cotidiano.
A adolescente em questão me fez lembrar de minha irmã que, carinhosamente chamamos de Bita. Ela é noveleira tal qual era minha mãe. Dia desses estava comentando sobre Luca (Paiulo Betti), Luca (Mario Gomes), Bertazzo (Nuno Leal Maia), Bina (Georgia Gomide) e Super Theo (Marcos Frota), personagens da novela Vereda (1983), parece que foi ontem. Rimos das aventuras dos simpáticos personagens, rimos tristemente, é verdade, porque lembravam minha mãe e esse era um mundo televisivo, bem diferente da realidade da vida de cada um de nós. A adolescente era preocupada com o celular, nada tinha de maior importância no momento. Pensei que ela estava com um problema, que é o que nomino sobre uma situação em que a resolução não está ao alcance da própria pessoa. Isso é um problema. Quando o incômodo pode ser resolvido sem ajuda de terceiros costumo dizer que já não é problema.
Então, poderíamos considerar que os livros mais vendidos são os que oferecem o que as pessoas buscam e o que buscam é simplesmente ideias de como aproveitar a vida e a maneira inteligente de superar problemas. As pessoas estão de saco cheio das coisas oferecidas pelos telejornais: roubalheiras, impunidades, sarcasmos. Talvez deixariam de ser chateação se pudéssemos deletá-los, talvez com o voto, não num messiânico personagem mas, numa figura de carne e osso que redima nossas esperanças. Onde encontrá-lo? Por enquanto, só nas novelas.