Noite insone dessas, infelizmente ou não, tenho sono encurtado, quatro a cinco horas, fiquei a assistir ao premiado filme Para Sempre Alice (Oscar para a excelente Juliane Moore) que trata com grande sensibilidade o Mal de Alzheimer e suas repercussões pessoais e familiares. Igual destaque mereceu também o filme Diário de Uma Paixão om James Garner e Geena Rowlands. O filme Alice trata de uma professora conceituada, bem casada e com três filhos jovens e que aos cinquenta anos começa a esquecer nomes, ruas e tudo o mais. No filme há a internação espontânea do cônjuge (Garner) para acompanhar sua esposa (Geena) que está com a doença. Ele lê para ela todos os dias um diário contando a história dos dois como se fosse um romance acontecido com terceiros. São filmes para assistir e chorar, literalmente filmes para não se esquecer. O Mal de Alzheimer faz com que o cérebro vá apagando as memórias e as referências decorrentes do que ficou armazenado e progressivamente vai levando o portador a um estado de solidão e de constrangimentos pessoais. Além disso a família vai encontrando limitações para a condução do entorno da situação e nem sempre, ou melhor, na maioria as vezes os familiares se afastam sob a alegação de que “ele-ela não me reconhece mais”.
Vivo alimentado pelas lembranças, não que prefira outra época de mim mesmo que não essa que vivo agora. As lembranças vêm como estratos, em colchas de retalhos. Por onde se ande na cidade há fragmentos cheios de vida, até mesmo os que nos entristeceram por algum motivo. Certas coisas ficam tão impregnadas e é a vida de novo, até com abdicações como em Milton Carlos- “se quiserem saber porque foi que eu mudei, não vou responder porque nem mesmo eu sei, se eu esqueço de mim prá lembrar de você”
Fiquei matutando sobre as lembranças e quais delas gostaríamos de deixar aos filhos. Mesmo que eles sejam briguentos, teimosos e, às vezes insuportáveis, guardarão de nós as lembranças que quisermos que fiquem marcadas. Talvez as que mereçam ser cláusulas pétreas estejam na maneira da condução dos problemas do cotidiano Diante de uma problemática deverão lembrar como o pai e a mãe reagiram. E aí está a marca do sucesso, pessoas grandes têm grandes atitudes, pessoas pequenas têm atitudes menores. Como meu pai reagiu quando perdeu o emprego, quando ficou doente? Como minha mãe suportou tornar-se ex-amor (Martinho da Vila) de alguém, subitamente? Diante de um inusitado as reações são amplas: arrancar os cabelos, desesperar ou levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima (Paulo Vanzolini). É, a vida pode ser assim, também. Pode, mesmo nas desgraças, ser encantos musicais. Até para isso, para as desgraças, escolhi Percy Faith (The Summer Place) e John Barry (Midnight Cowboy) para serem lembradas quando da minha partida. Não levarei essas lembranças comigo mas, lembrarão de mim, provavelmente, quando ouvirem essas canções porque refletem um pedaço de minha alma e alma é o que fica, o resto vai embora.