OPINIÃO

High-tech

Por
· 2 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Estava olhando a parafernália de instrumentos tecnológicos dos jovens e fiquei a pensar sobre meu mundo dessa mesma idade, há quase cinquenta anos. Em 1971, aos quatorze, ganhei meu primeiro relógio e, porque era o mês de janeiro e eu não estava de aniversário e, emocionado pelo acontecimento inesperado, fui chorar atrás da porta. Foi demais para a aquele guri simples, lembro com carinho, com amor e fico com os olhos marejados de novo, enquanto escrevo sobre isso. No ano seguinte fomos em turma realizar prova para tentar o ingresso no Colégio Militar de Porto Alegre. Tito Bassani e eu ficamos hospedados na casa de um tio que morava na Restinga. Íamos da Restinga até a Redenção e depois perneávamos até a rodoviária, fomos até o Cisne Branco e até que Tito encontrasse um violão Gianinni. Lembro da música de Neil Young da época “Song Song Blue”. Nessa viagem usei pela primeira vez o sabonete Phebo. Em 1974, enquanto a Globo exibia a novela Supermanoela, estrelada por Marília Pera, comecei a namorar uma colega de Cenav e conheci o xampu Cabelos e Pontas. Meu maior bem pessoal era um rádio de pilhas Phillips vermelho e neste ano, adentrei resoluto na casa Feira de Discos e comprei um vinil, compacto duplo (duas músicas de cada lado) da novela Os Osso do Barão que continha dois hits “Tu Nella Mia Vita” de Wess Johnson e Dori Ghezzi que ganhara o Festival de San Remo de 1973 e “Me and You” com o brasileiro Dave MacLean. Nessa trilha ainda constava “Gaye”, do inglês Clifford T Ward e “You Make me Feel Brand New” de Stylistics, grupo norteamericano.

Percebam que nosso mundo era simples e as comunicações tinham de ser ao vivo e em cores, nada de telefone, nem internet, nada do escambau que é hoje. Certa feita numa reunião dançante acontecida aqui no centro da cidade alguém pediu um violão para uma serenata, sim, serenata, existia isso e eu tinha um violão. Então disse, vou buscá-lo. Projetei que entre ir e voltar a pé, lógico, demoraria uns quarenta minutos e iniciei a rápida caminhada, quase a correr mas, fui alcançado por Odilon, namorado da Eliane, que tinha um fusca. Ele insistiu em me levar até a Vera Cruz, onde eu morava, algo que me deixou sem jeito e com a sensação que estava devendo favores para sempre.

O mundo high-tech deveria aproximar as pessoas e o que acontece é que as vivências compartilhadas parecem acontecer numa outra dimensão que não as que as pessoas estão vivendo. Foram, os jovens, deixando de viver ou registrar suas pequenas aventuras, suas pequenas descobertas. Dizem que sou saudosista, bobagem. Gosto de registrar o que não me passou despercebido como intuito de afirmar como as nossas vidas têm lances parecidos. E a simplicidade das coisas listadas como disco de vinil, radinho, relógios mostra como pequenas coisas, quase sem maior valor de mercado, eram suficientes para que chegássemos ao êxtase existencial. É, houve um tempo que as gurias até gostavam de músicas românticas.

Gostou? Compartilhe