OPINIÃO

Li, não sei onde e guardei

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Li, não sei onde, guardei e dou de graça prá vocês era um jargão de Flavio Cavalcanti, importante comunicador da extinta Rede Tupi (Diários Associados) nas noites de domingo. Era, o jargão, o início de uma importante informação. Dia desses li, não sei onde, que o objetivo de nossas existências é absolutamente ser feliz. Acho eu que bem mais do que ser feliz o nosso negócio é ser útil. E passamos a vida tentando ser isso: para os pais, para os amigos, para o time de futebol, para as empresas que nos contratam e para os nossos filhos e netos. É bacana quando o centroavante recém contratado diz que veio não somente para tentar ser o goleador mas, mais do que isso, veio para dar assistências aos companheiros, veio para ajudar a compor a defesa, veio para honrar a camiseta do time e até para esperar a vez no banco de reservas.

Minha utilidade talvez esteja visceralmente ligada ao front médico, ao atendimento inicial de pacientes graves. E isso foi oficializado no último fim de semana de maio de 1998 quando fiz curso de trauma em Porto Alegre na companhia do Enfermeiro Édison Ribeiro e do técnico Juliano que na época trabalhava no Hospital Prontoclínica. A partir daí acredito que Passo Fundo floresceu na otimização de urgências e emergências porque emprestamos a qualidade adquirida aos conhecimentos já existentes.

Quem olha um setor de emergência vê o que quer ver. Vê uma imensa estação rodoviária, vê um circo de horrores com gente gemendo, sangrando, renascendo, morrendo, vê de tudo. Vê, no entanto, pessoas agraciadas pela vocacão do socorro. E nesse meio estamos nós, mais velhos-mais novos, delicados-abruptos, calmos-estressados mas, decididamente capacitados e cientes da missão.

Às vezes, nas madrugadas, fico a fitar os pacientes deitados, submetidos a nós e matuto sobre a tênue linha que divide estar  médico ou estar paciente. De repente, em um segundo, viramos pacientes e passamos a ser doentes de coisas que se recupera ou não. Muitas vezes, alguns de nós vão embora prá não mais voltar e a saudade que fica é igual ao tamanho da utilidade que tivemos nas millhares das vezes que empregamos o nosso melhor pra recuperar gente que nunca vimos na vida.

Velho amigo e coloradasso Édison Ribeiro a gente fez muito pelos outros. Sábados, domingos, feriados, inverno-verão. Talvez, a gente pudesse ter feito mais. A gente sempre acha que faltou algo.  Aprendemos juntos, crescemos juntos e tentamos contaminar os mais jovens com tudo aquilo que julgamos importante para o benefício dos que sofrem. Pensando melhor, Édison, não, peremptoriamente não, não fizemos pelos outros, fizemos por nós, fizemos pela nossas consciências, fizemos pela unção que envolve nossa atividade profissional. Fica bem, estou por aqui, eu e outros velhinhos, ainda na luta incessante por tudo aquilo que acreditamos, por tudo o que possamos oferecer.

Até mais, companheiro.

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