OPINIÃO

O dia que Leibniz negou Descartes

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Quando René Descartes morreu em Estocolmo corria o ano de 1650. Em Leipzig, Gottfried Wilhelm von Leibniz, então com quatro anos de idade, assistia (com curiosidade infantil) a retirada de soldados suecos da Alemanha, tal qual fora definido pela Paz de Vestfália, assinada dois anos antes, que deu cabo à Guerra dos Trinta Anos. Selado o fim do confronto entre católicos e protestantes, restaram uma Europa dividida e uma Alemanha arrasada pelos muitos anos de luta; em que se sobressaíram como aliados vencedores França e Suécia.

Leibniz era uma criança que se destacava pela inteligência. Em 1661, com 15 anos, foi estudar filosofia na Universidade de Leipzig. Leu as obras de Aristóteles, estudou a matemática de Euclides e conheceu os trabalhos de Bacon, Hobbes, Galileu e Descartes. Fez sua tese de mestrado sobre a relação entre a filosofia e o direito, colando grau em 1664.

Consta que Leibniz ficou fascinado com a lógica e a filosofia cartesianas. Muito embora estivesse em busca de idéias próprias, que, não raro, conflitavam com o pensamento de Descartes. Na visão de Bertrand Russel (1872-1970), o pensamento de Leibniz foi forjado na tradição escolástica e estava impregnado de idéias aristotélico-escolásticas sobre o universo. E, possivelmente, esse tipo de crença impedia Leibniz de aceitar plenamente a filosofia de Descartes. Nesse contexto se pode entender a relação de amor e ódio que Leibniz demonstra ter com o legado do falecido filósofo francês. Por exemplo, quando sustenta que o princípio da dúvida de Descartes, uma das pedras angulares da filosofia cartesiana, é falso. Ao mesmo tempo, em aparente contradição, Leibniz queria aprender tudo o que pudesse sobre Descartes. Parecia obcecado pela busca dos escritos de René Descartes.

Em 1672, Leibniz foi Para Paris, encarregado de uma missão diplomática pelo barão Johan Christian von Boineburg: demover o rei Luís XIV de seus planos de conquistar a Europa, sugerindo que, em vez disso, a França deveria se lançar numa aventura militar no Egito. Não foi recebido pelo rei, mas, durante o tempo que viveu em Paris, manteve contatos com pessoas influentes; especialmente na área diplomática e científica. Aproveitou sua estada na capital francesa para aprofundar sua busca pelos trabalhos de Descartes, chegando, por intermediação de Christiaan Huygens, até os manuscritos inéditos, que se encontravam sob guarda de Claude Clerselier. E, quando teve acesso a eles, desvendou o seu mistério. No entanto, mesmo sendo conhecedor do segredo e da grandiosidade da obra de Descartes, nunca vacilou, nos seus escritos, em agredir o sábio francês. Por quê? Eis uma questão intrigante na história da ciência.

Há quem entenda os ataques que Leibniz fazia ao trabalho de Descartes como manifestação de inveja. Por suas declarações fica evidente que se comparava com o gênio francês. Outros, hoje, interpretam como uma reação à polêmica que Leibniz se viu envolvido com Isaac Newton sobre a paternidade do cálculo diferencial e integral. Queria se livrar da pecha que os ingleses lhe colocaram de plagiador ao afirmarem, entre outras coisas, que os trabalhos de Leibniz em matemática não eram “nada senão deduções de Descartes”. Por isso, buscava conhecer e, ao mesmo tempo, se afastar de Descartes. Os escritos de Descartes demonstram que ele era capaz de encontrar as inclinações de algumas curvas particulares, mas não havia desenvolvido nenhum método geral, a exemplo do cálculo diferencial de Leibniz. Ele temia ser acusado de ter explorado as idéias de Descartes. De qualquer forma, o cálculo de Leibniz e de Newton, como teoria, só ganhou sentido graças à unificação da álgebra e da geometria levada a cabo por Descartes, que possibilitou descrever gráficos usando equações matemáticas.

Leibniz retornou à Alemanha em 1676, passando o resto de sua vida servindo ao duque de Hanôver em várias funções. Foi educador, diplomata, conselheiro e bibliotecário. Viria a morrer em 1716, sem deixar descendentes.

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