Manifestações de racismo e discriminação de qualquer espécie são coisas que não soam bem, e ainda mais na boca do sumo pontífice da Santa Madre Igreja. Pois, consta que o papa Urbano II, no afã de incentivar os seguidores da Igreja a participarem das Cruzadas, por ocasião do Conselho de Clermont, em 1095, teria dito (em bom inglês, conforme Glantz, M. Climate Affairs. Island Press, 2003. p.44): “the blood which ran in the veins of men born in countries scorched with heat of the sun was scanty in stream and poor in quality as that which coursed through the bodies of men belonging to more temperate regions”. Para um bom entendedor, meia palavra basta. O que o homem quis dizer, resumindo, foi o seguinte: a turma dos trópicos tem pouco sangue nas veias (scanty) e, ainda por cima, sangue ruim (poor in quality), comparativamente com o pessoal das regiões temperadas.
O pior de tudo é que Urbano II é apenas uma referência histórica (talvez nem seja a mais antiga) sobre um tema que, sob a denominação de “determinismo geográfico”, ganhou corpo através dos séculos, sendo, inclusive, professado por alguns até tempos bem recentes (pra não dizer que há quem acredite nisso ainda hoje). Derrubar a concepção do determinismo geográfico, pelos menos teoricamente, é fácil. Abundam argumentos para mostrar que é uma ideia equivocada e discricionária. Mas, se a teoria é uma, a prática está aí para mostrar que a realidade parece ser outra. Independentemente do critério que se use para qualificar desenvolvimento, a maioria dos países pobres do mundo (subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como queiram os que prezam pelo politicamente correto) estão localizados ou têm partes dos seus territórios na zona tropical. Eis a grande questão que se impõe: seria o clima tropical o elo comum e o responsável pela manutenção do subdesenvolvimento nesses países? Um sim, sem qualquer sombra de dúvidas. Um não, definitivamente nem pensar. Ou um quem sabe, pelo menos em parte. Todas essas são respostas esperáveis. Existindo adeptos e argumentos bem plausíveis para todas elas.
Os defensores do determinismo geográfico encontraram em Ellsworth Huntington, professor em Yale (USA), um referencial de peso, no começo do século 20. Suas ideias propalavam que certos tipos de clima, como os encontráveis na Inglaterra, na França e seus vizinhos europeus, bem como na costa leste dos Estados Unidos, favorecem o surgimento de civilizações de níveis elevados. São climas caracterizados por temperaturas moderadas e chuvas frequentes, criando condições meteorológicas estimuladoras. Por outro lado, também sugeriam que o clima de muitos países era a principal razão da prevalência de doenças, desonestidade, imoralidade, estupidez e fraqueza da sua gente. O Dr. Huntington andou pegando pesado com os irmãozinhos dos trópicos. Para ele: ou o sujeito tinha a sorte de nascer numa região de clima favorável ou seria uma espécie de deserdado do clima. Essas são visões preconceituosas e racistas, para se dizer o mínimo, pois, claramente, pregam que as pessoas nos trópicos são menos produtivas que nas zonas temperadas (você não pensa assim? Não me decepcione, caro leitor).
O tema clima e desenvolvimento passou a ser mais racionalmente discutido somente a partir dos anos 1970. Foi quando, com as calamitosas secas africanas, espalhando cenas de miséria e imagens de populações famintas via satélite para os quatro cantos do mundo, se passou a prestar mais atenção na recorrência de fenômenos climáticos extremos, especialmente secas e inundações, como causa de entraves ao desenvolvimento. A origem de tudo estava nas manifestações climáticas regionais, e não no seu tipo de gente. Lidar com elas passou a ser a questão crucial (embora ainda não resolvida).
O clima tropical pode ter lá os seus entraves, mas, seguramente, também é um recurso natural vantajoso. Que o digam os exportadores de frutas e quem, em agricultura, pratica duas ou mais safras por ano.