OPINIÃO

O príncipe e o trigo

Por
· 2 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

O príncipe e o trigo não é uma fábula; ainda que pareça. É história real. E história da triticultura brasileira. Há dois episódios na história do Brasil que, aparentemente sem qualquer relação direta, estão ligados pela cultura de trigo. São eles: a colonização açoriana no Rio Grande do Sul e a abertura dos portos às nações amigas, feita pelo então príncipe regente Dom João.

Os açorianos foram trazidos para o Rio Grande do Sul em 1937. Receberam terras, ferramentas, animais e sementes. O governo português encorajou a produção de trigo. E assim o RS, entre 1780 e 1817, tornou-se um “exportador” de trigo. O trigo gaúcho era enviado para o Rio de Janeiro, para Salvador e para Recife e algumas colônias espanholas. Ainda que esse suposto “trigo gaúcho exportação”, tenha, em boa parte, origem mais no contrabando de países do Prata do que na produção local.

Em 1806, Napoleão Bonaparte dominava a Europa. França e Inglaterra eram os grandes inimigos. Portugal, mantendo estreitas relações comerciais com a Inglaterra, estava sob a ameaça de invasão pela França e pela Espanha. E foi assim que o príncipe regente de Portugal Dom João (Dom João VI foi coroado rei em 6 de fevereiro de 1818), pois da rainha, Dona Maria I, dizia-se, polidamente, que sofria das faculdades mentais, decidiu, sob aconselhamento, mudar-se com sua corte para o Brasil.

Para adaptar o País às novas condições políticas e econômicas, Dom João decretou, em 28 de janeiro de 1808, a famosa "abertura dos portos do Brasil às nações amigas". De certa forma, era a incorporação de conceitos de livre-mercado. Como o modo de produção brasileiro permaneceu antigo, a coroa portuguesa perpetuou a dependência da economia colonial.

A essa altura, há que se perguntar: e o trigo, onde entra nessa história? Pois bem, no RS produzia-se e exportava-se trigo. Saint-Hilaire, em seus relatos de viagem, destaca que viu, por toda parte, lavouras de trigo com excelente aspecto. Porém, após 1820 o trigo praticamente sumiu do estado (foi mantido, em pequena escala, nas zonas de colonização alemã). Somente, de fato, ressurgindo, na segunda metade do século XIX, com a chegada dos italianos na Serra Gaúcha.

Durante muito tempo apontou-se como causas do desaparecimento do trigo no RS do século XIX: (1) A falta de pagamento pela coroa (improvável como causa principal) e (2) As epidemias de ferrugem (certamente tiveram forte influência negativa na produção).

Em seu livro de 1897 – Cultura dos Campos -, Joaquim Francisco de Assis Brasil escreveu: "A tradição diz que foi a ferrugem que fez abandonar a cultura do trigo no Rio Grande." Essas duas razões não explicam satisfatoriamente o declínio do trigo gaúcho no passado. O americano Gregory G. Brown, em artigo publicado na revista The Americas (v. 48, n. 3, p. 315-336, 1991), destaca que apesar do problema da ferrugem em outros países, existindo mercado, foi encontrada uma solução. Assim, ele atribui à falta de mercado como principal causa de abandono do cultivo de trigo no RS, na primeira metade do século XIX. Pois, com a abertura dos portos brasileiros (1808) e os novos tratados comerciais (1810) entrou no mercado brasileiro uma grande quantidade de farinha de trigo vinda diretamente dos Estados Unidos. Preço, qualidade do produto e acordos comerciais envolvendo exportações brasileiras de café e de açúcar barraram o interesse e os investimentos necessários para dar competitividade ao trigo brasileiro. Diz-se que a farinha de trigo americana "inundou" o Brasil, após 1815.

Na história recente do País, uma nova abertura comercial abalou a triticultura nacional. Foi em 1990, com a saída da atuação do Estado no complexo agroindustrial do trigo – Lei 8.096 de 21 de novembro de 1990 -. E assim, o Brasil no início dos anos 1990, apesar de possuir terras, clima adequado, tecnologia própria e produtores experientes para ser autossuficiente, ou até mesmo exportador desse cereal (ainda que exporte uma parcela do pouco que produz), tornou-se um dos principais países importadores de trigo.

Gostou? Compartilhe