Na metade do ano de 1969 estava eu em Cruz Alta na casa de meu primo Lelo Quaresma numa tarde de sábado em que chovera. Lá pelas três horas o céu estava azul e havia um arco-íris de presente. Na TV Gaúcha havia o Programa do Glenio Reis ao vivo, talvez do Mercado Público de Porto e a música de fundo era Arco-Íris Azul, dos Incríveis. Da casa do Lelo havíamos testemunhado o desenrolar de uma tragédia meses antes quando amigos lamentavam em voz alta, demonstrando completo desatino e, a seguir, trancando-se em um quarto com um balaio de vinis para desopilar, entre cigarros e bebidas, um dos maiores traumas que minha geração vivera: a separação dos Beatles.
Anos depois, 1974, chovia uma chuva mansa, não havia aula no meu eterno Cenav (feriado, talvez) mas, mesmo assim, tomado por um impulso fui até a Praça Tamandaré porque pressentia que alguma mágica iria acontecer. Secretamente esperava que minha namorada da época seria assaltada pela mesma magia e, sem combinação prévia, iria acontecer o encontro dos dois apaixonados. Na noite anterior havia assistido ao clipe do lançamento da música de Antonio Marcos, Porque Chora a Tarde. Ao invés da namorada aproximou-se de mim um colega que estava com alguns problemas sentimentais com a sua amada e que sentira um estranha necessidade súbita em ir até o colégio, mesmo sem aula, mesmo que chovesse. Aproximou-se e após algumas trivialidades desabafou suavemente, quase em constrangimento, o que se passava porque sabia que eu era bom em resolução de conflitos amorosos, segundo ele. Eu...bem, eu sabia disso, era o meu forte, a construção de finais felizes sempre foi o meu forte e, afinal, todos sabem que aos dezessete sabemos tudo da vida.
Essa semana fiz uma caminhada pela avenida e no retorno sentei num banco da velha praça e, vejam só, aproximou-se de mim aquele mesmo colega. Conversamos coisas em tom nostálgicos, morávamos na mesma cidade e a gente quase não se via. Deveríamos realizar encontros mais amiúdes, ao invés daqueles obrigatórios lá no Memorial da Vera Cruz. Ele falou que esperou por anos a fio a oportunidade de agradecer aos conselhos que eu havia passado naquele distante ano. Lembrou que depois de ouvi-lo eu falara que ele deveria se preocupar com o macro e desfocar do micro e que as pessoas têm que se adaptar um ao outro e que a gente não é um produto acabado porque sempre há o que ser melhorado, coisaital. Acho que funcionou, afinal, estão casados há quase quarenta anos.
Hoje, sexta, chove a chuva desejada e abençoada e veio-me os encontros mágicos, nunca ao acaso. Sempre haverá sol e chuva, é da vida, é da benção, é para aproveitar.