Mais do que profissionais incompetentes, hoje, nos diferentes ramos da atividade humana, ainda que, no nosso meio, existam exceções notórias, parece que grassa a incompetência profissionalizada. Essa foi uma passagem lenta (ou nem tanto) e gradual, que começou quando a lógica do lucro rápido e fácil solapou as bases de instituições, públicas e privadas, como escolas, universidades e centros de pesquisa, por exemplo, e muitos saberes, especialmente os humanísticos e aqueles relacionados ao conhecimento básico, sob a égide do pensamento utilitarista, foram considerados inúteis e, de certa forma, passaram a ser negligenciados. E atingiu o seu cume, com efeitos desastrosos, pela onipotência do dinheiro e do utilitarismo, que, julgando-se pelas notícias nos nossos veículos de comunicação, dá ares que tudo pode comprar: de parlamentares às decisões judiciais. Quando as novas representações de sucesso são materializadas em impérios empresariais criados a partir de operações fraudulentas ou na figura de políticos impunes que humilham o parlamento com a votação de matérias e leis de interesse, exclusivamente, pessoal.
Não, antes que alguém tire uma conclusão apressada, lucro não é pecado venal! Insisto, o problema não está no direito legitimo, de qualquer empresário, ao lucro. Mas, sem exageros, devemos voltar a colocar os fins antes dos meios. Tampouco, pode ser considerada verdade absoluta que em tempos de crise econômica tudo é permitido. Crise não é justificativa para o mercado, em nome do interesse econômico, destruir tudo aquilo que considera inútil. Incluam-se nisso, os cortes de orçamento em áreas que são, estritamente, funções do Estado: segurança, saúde, educação, programas sociais, apoio à inovação tecnológica e ao empreendedorismo, por exemplo. Dependendo da dose, para usar uma analogia popular, o medicamente em vez de curar o paciente pode matá-lo. Mas, ninguém pode ignorar, sim: o Estado brasileiro precisa gastar melhor os seus recursos. Há coisas que podem e devem ser deixadas para a iniciativa privada, desde que a conta não seja paga com o dinheiro público, e outras não.
A lógica utilitarista do lucro, na educação, na área cultural e na pesquisa científica, pode produzir efeitos socialmente nefastos. Não são raros, ainda que jamais assumidos, nas instituições de ensino, especialmente privadas, o corte no número de horas aulas de matérias básicas, quando da reforma de currículos, o uso de professores “improvisados” dando disciplinas que exigiriam competências específicas, o “abrandamento” na cobrança de conhecimentos nas provas e a intensificação no uso do ensino à distância (EAD), visando à redução de custos e à evasão de alunos/clientes. E sem falar no nosso empobrecimento cultural pelo cancelamento de eventos, nas artes e na literatura, que ainda dependem de apoio, quer seja público ou privado, para serem realizados. Ou, qual o preço que pagaremos, pela inovação tecnológica que não vamos gerar, pelos cortes nos fundos públicos de financiamento de pesquisa científica? Alguém, conscientemente, pode imaginar que atingiremos o nível das nações desenvolvidas sem investimentos em ciência, tecnologia e inovação?
Não se discute, é mais fácil e mais cômoda a percepção de utilidade em um objeto, como o computador que ora eu estou teclando esse texto, no celular que você segura enquanto lê essa coluna, na droga que você tomou para aplacar os efeitos da dor de cabeça após as comemorações do 20 de setembro, por exemplo, do que num clássico de Shakespeare ou num artigo científico publicado em revistas tipo Science ou Nature. Mas, não se esqueçam disso, tanto Shakespeare quanto os conhecimentos básicos descritos nos artigos científicos mencionados, estão por trás do modo de vida de muitas civilizações, que, hoje, respeitamos como socialmente evoluídas, e das futuras tecnologias que, um dia, ainda pagaremos para usar.
Sim, nossa incompetência profissionalizada tem raízes.