Em dois anos a pensionista Glaci Puhl mudou de endereço pelo menos quatro vezes. “Minha mudança já está ficando destruída por não ter onde morar. Não tenho condições de pagar aluguel; recebo um salário mínimo e preciso comprar remédios”, conta ela, que está entre as 16 famílias prejudicadas pela situação do Edifício Gralha, do bairro Cohab. Aos 70 anos, Glaci mora hoje “de favor”, como relata, e conta com a ajuda da família - uma situação que se estende aos antigos moradores do prédio interditado em junho do ano passado. O processo, no entanto, que corre na Justiça há cerca de dois anos, pode ter um desfecho em breve: nessa terça-feira (12) veio a público o laudo de perícia técnica apontado pela 2ª Vara Federal de Passo Fundo. Este é considerado um ponto crucial do processo, já que é o laudo emitido pela Justiça que determina a sentença do juiz na ação contra a Caixa Econômica Federal e Governo do Estado - responsáveis pela construção do imóvel a pelo menos 35 anos atrás. “Para tomar uma decisão, o juiz precisava de um laudo de perícia emitido pela Justiça; e ele é fiel à verdade: o prédio tem vícios de construção, foi feito com material de péssima qualidade e comprometeu a moradia de 16 famílias. Por isso esperamos a condenação da Caixa Econômica Federal e Governo do Estado. Queremos que indenizem estas famílias e seja pago pelo menos o aluguel social”, disse o vereador Saul Spinelli (PSB), que acompanha o processo desde o início, em fevereiro de 2016.
No laudo, a perita nomeada Deborah Machado conclui que há completo vício construtivo na edificação, além da deterioração da estrutura por conta dos materiais utilizados. Em resumo, a diferença do terreno não foi observada antes da fundação do prédio: em relação aos demais prédios do conjunto habitacional, o Edifício Gralha está pelo menos 1,20 metro mais baixo, a considerar o nível do chão. “Todos os outros blocos foram implantados na parte alta do bairro e dos terrenos, enquanto o Edifício Gralha está abaixo do conjunto vizinho mais próximo”, consta no laudo. Esta diferença teria sido o principal ponto de prejuízo a estrutura. “Mesmo sendo projeto padrão, sempre deverá haver o cuidado em verificar as condições do terreno, sua localização, resistência à pressão, estabilidade, a fim de determinar a melhor opção para a execução das fundações - cuidado este que certamente não houve quando a implantação de ‘mais um bloco’ no Loteamento Edmundo Trein”, esclarece o documento oficial, que aponta “no mínimo negligência”.
Além disso, o material usado tanto na sustentação quando no revestimento já esgotaram suas vidas úteis. O laudo explica que, no tempo da construção (por volta de 1980), ainda não havia legislação específica para prazos de durabilidade e desempenho dos materiais de construção. A questão é que os demais prédios do conjunto habitacional estão em melhor estado. “A degradação precoce das edificações é desencadeada pela baixa qualidade dos materiais de construção empregados, por problemas de projeto e execução e falha de manutenção. Mesmo que em função do tempo decorrido, os materiais já tenham esgotado suas vidas úteis e o desempenho seja questionável, o certo é que revestimentos despegados das alvenarias, rachaduras maiores que cinco centímetros e tijolos quebrados tornam o caso absolutamente grave”, pondera-se no documento. Por fim, constatou-se o que já era esperado: o risco para colapso - ou queda - do prédio é alto.
“A Caixa está em dívida comigo”
Glaci morou em seu apartamento do Edifício Gralha por 17 anos e saiu após interdição do município, no ano passado. Ela ainda não terminou de pagar a prestação junto da Caixa. “Preciso voltar para a minha casa. Não é justo uma pessoa de 70 anos indo para lá e para cá. Mesmo depois de dois anos fora do apartamento, continuo pagando a prestação todo mês. Estou em dia com a Caixa, mas a Caixa está em dívida comigo, O mínimo que podemos ter de volta é o aluguel social”, diz ela. Em nota, a Caixa Econômica Federal informou que a construção do empreendimento e o respectivo financiamento aos mutuários foram realizados pela Companhia de Habitação do Estado do Rio Grande do Sul (COHAB) e não pelo banco. “A Caixa ressalta que, entre os anos de 1999 e 2002, a COHAB, que se encontrava em processo de liquidação, cedeu ao banco créditos a receber de financiamentos habitacionais por ela concedidos, sendo 14 contratos do edifício Gralha, mantendo a propriedade dos imóveis. Estes contratos encontram-se inativos. Atualmente existe um contrato ativo assinado com o banco ainda em 2006, na modalidade Aquisição de Imóvel Usado. A CAIXA financiou a aquisição de um apartamento usado que, na ocasião, já estava liberado da hipoteca original; este contrato está ativo e tem previsão securitária para danos físicos do imóvel, podendo ser acionado o seguro pelo mutuário junto à agência da CAIXA onde assinou o contrato”, consta.