OPINIÃO

Flor da rebeldia na arte da rua

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O grito de rebeldia do povo brasileiro ecoou ao som dos tambores nos ritmos atávicos do samba. A passarela do samba transfigurou a dor do abandono dos trabalhadores angustiados com o desemprego e arrocho no custo de vida, num apelo dramático, no maior palco do mundo. O canto sofrido explodiu nas avenidas com a força dos ritmos musicais do samba como derradeiro reduto. A arte expressa em alegorias e movimentos dramáticos mesclou roteiros de pura aflição popular, cansada de recorrer aos foros formais de justiça social. Foram emoções brotando de todas as almas, contra a escalada da exploração e corrupção como instrumento de opressão aos pobres. A cuíca roncou de fome, como já disse João Bosco na recrudescida vilania da recente ditadura, onde sua música foi censurada.

 

Afasia do poder
As manifestações populares contra o governo e o impeachment de Dilma não motivaram suficientemente o Congresso Nacional, que seguiu a batida fúnebre encobrindo crimes, manipulando tudo. O centro de decisões políticas de Brasília colocou panos quentes na revolta popular. As ruas advertiram severamente para a deterioração do poder, muito mais que as paixões partidárias. O parlamento, o governo Temer e o capital gestor, preferiram oficializar a conduta de afasia, e seguiram decidindo tudo pelos interesses opressores. A decepção foi revelando que a corrupção ampla tem proteção absurdamente amarrada à injustiça social. Com a dor de não ser ouvido, o povo recorreu ao meio desgarrado dos cordões de títeres para derramar seu pranto na música evocando força na arte ancestral. Os protestos nos dias de carnaval sacudiram o país!

 

Paraíso da Tuiuti
A grande maioria do povo trabalhador entendeu a atitude missionária da arte popular de respeitável parcela do desfile de rua. “Meu Deus, meu Deus, não leve a mal se eu chorar...”, expressão de um povo assombrado pela escravidão secular, que impactou o pensamento em plena festa. “Ó pátria amada, por onde andarás, porque teus filhos já não agüentam mais...”, ou a Pietá – de Michelangelo, arte soberana da Europa, com a versão negra da mãe com o filho morto no colo. É protesto contra a violência, súplica de mães desesperadas por que estão perdendo seus filhos.

 

O protesto da alma
O sentimento de liberdade é como a fome da alma. A coreografia dos escravos acorrentados, o embalo da batucada, trouxe o rufar dos troncos das selvas africanas. Fez calar modelos fictícios da moderna comunicação. A arte que carrega sempre a alegria, mesmo sufocada, já fora comentada pelos romanos, como revela a crônica do repórter Geral Eliseo (que recebi do amigo Neto Sobrinho): “Ridendo castigat mores” (rindo moralizam-se os costumes.

 

Fora os grilhões
A cena chocante dos figurantes que representaram os antigos escravos, com grilhões e cadeados, emocionou no que a arte tem de mais sublime. No compasso pungente da aflição, foram rompidas as correntes da escravidão exprimindo o desejo de liberdade. O carnaval surpreendeu a todos. Resta saber se o grito por liberdade de espaços para viver dignamente chegará às hostes dos que vivem da injustiça social. Vejam só! O samba das ruas é o grande lamento, num palco feito para alegrias, tornado misto de esperança e crença na retomada dos rumos na relação do poder com o povo da nação.

 

Povo pensa
Se a violência transborda nos quadrantes brasileiros, além do Rio de Janeiro, não adianta recostar cotovelos na janela para observar vizinhos. A Venezuela serve para nos informar que a fome tira a liberdade de pensamento e suscita atitudes individuais ou coletivas imprevisíveis. O Brasil peculiar mostrou que ainda pensa na severa musa da igualdade, e buscou a festa do carnaval para dizer isso.

 

Trabalho
Está difícil pra quem trabalha. Muito mais difícil para quem não encontra trabalho e nada recebe!

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