Às vezes, somente algumas vezes, dá-me a vontade de morar em outro local que não Passo Fundo nesses, digamos, últimos anos de minha passagem terrestre. Pensei em Paris, João Pessoa, Balneário Camboriu ou Floripa. Quem não pensou num desses lugares, não é mesmo? O problema é que minhas lembranças mais fecundas estão fincadas nesse torrão rio-grandense e em cada esquina dessa cidade há doces recordações. Ao circular por qualquer ponto vem-me histórias e, como se fosse um guia turístico, passo a relatar a mim mesmo, como se contasse um causo, o que vem à lembrança. Aí está a epifania de viver em um local de emoções incontidas. Passo de carro ao longo da prefeitura municipal, costeando o rio Passo Fundo e olho à esquerda para aquela velha quadra de futebol, que hoje serve de estacionamento, onde se disputavam os torneios entre as diversas secretarias do serviço municipal. Meus olhos vêem Jorge Ferreira jogando de zagueiro e seu irmão Turiassu na torcida; nessa época tivemos sólida amizade, acompanhada de admiração, respeito e tietagem. Éramos três jovens, oriundos de famílias humildes, buscando espaços na sociedade. Meus olhos vêem milhares desses momentos e de outras amizades e relacionamentos que se diluíram ou que se fortificaram com o tempo. A todos gostaria de abraçar e agradecer pelo que foi compartilhado. Por isso é Passo Fundo minha epifania pois aqui nasceu minha mãe, meus filhos; aqui meu pai escolheu para a última morada e aqui encontrei a mulher de minha vida.
Dias desses encontrei Luis Carlos, o lendário lateral esquerdo do escrete do Sport Clube Gaúcho, dos anos 1970. Coincidentemente onde havia topado recentemente com Luís Freire. Contei aos meus irmãos, que moram em Santa Catarina e Bahia. Por que não tirastes uma foto, perguntaram? Nem sei, passou batido, Passo Fundo é epifania para eles, também. Com Luis Carlos puxei assunto perguntando algo que sabia a resposta. Perguntei sobre aquele memorável jogo contra o Inter de Tovar, em que Roberto estava suspenso (algo assim) e Luis Carlos fora deslocado para o meio e jogara maravilhosamente com a 10. Queria dizer a ele que nossos heróis nunca morrem, são eternos e que isso tudo faz parte da grande magia da vida.
Doutor Jonatas foi embora subitamente, de maneira trágica, deixando aos colegas, familiares e outros admiradores uma sensação de vazio difícil de preencher. O jovem cirurgião chegou a nossa cidade e se impôs pela elegância, pela humanidade, capacidade profissional e um terno-eterno sorriso que perpassava paz. A percepção da volatilidade e da inconstância de nossas existências faz-me crer uma vez mais aquilo que o Dr Nino Machado me repassou: se não é possível aumentar a lonjura da estrada da vida, é possível aumentar a largura dessa estrada. Doutor Jonatas nem teve tempo para se despedir de seus amores e, então, abraço os meus com a finalidade de agrandar meus dias, curtindo a vida em paz e harmonia como se não houvesse amanhã. Até, doutor.