OPINIÃO

O outro lado do julgamento de Galileu

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O conflito que foi deflagrado entre Galileu Galilei e a Igreja Católica de Roma, no século XVII, cujo desfecho, assaz conhecido, foi a condenação de Galileu, por insubordinação, quando analisado, em retrospectiva histórica, costuma contar com a benevolência dos cientistas contemporâneos que, invariavelmente, tendem a condenar a Igreja e a absolver Galileu. Mas, apesar de essa ser a faceta predominante nos meio científicos, não necessariamente é a única e nem a mais sensata ou adequada. Inclusive, há quem pense que, levando-se em consideração a fundamentação usada pelos cardeais inquisidores, o imbróglio, se revivido nos tempos atuais, não teria solução diferente, mesmo que no posto dos julgadores, em vez das autoridades da Igreja fossem usados representantes das sociedades científicas modernas. Entender esse outro lado do caso Galileu versus Igreja, com base no ensaio “Galileu e a tirania da verdade”, de Paul Feyerabend, é o objetivo dessas breves notas.


A melhor a maneira de se descrever um conflito histórico seria começar pelos indivíduos que o protagonizaram e as suas idiossincrasias e motivações. Mas, por ser esse um processo moroso e nem sempre possível, acaba sendo deixado de lado e a opção que, invariavelmente, tem sido adotada, nas ciências sociais, resume-se a colocar o caso como um mero conflito de tradições ou, em termos mais adequados, de paradigmas ou de visões; ainda que conscientes da fragilidade dessa via, que uma vez tomada, deliberadamente, opta-se pelo afastamento da realidade como ela efetivamente foi ou é.


O caso Galileu versus Igreja, efetivamente, põe em discussão o papel dos especialistas, com o sentido de autoridade final, nas sociedades, em todos os tempos; e mais do que nunca nos atuais. Galileu Galilei, e isso não está e nem nunca esteve em discussão, era um especialista em matemática e astronomia. Ele não reivindicava apenas liberdade para publicar seus resultados de pesquisa e ideias; o que ele queria era impor a sua verdade sobre as demais. Ele não fora, pela Igreja, proibido de falar hipoteticamente que Sol e não a Terra estaria no centro do Universo. Ele fora orientado, pela famosa carta do Cardeal Bellarmino, a não se manifestar publicamente sobre esse assunto em termos absolutos, pois, ao contradizer as Escrituras, feria de morte a fé sagrada dos católicos.
Para julgadores apressados, pode soar absurdo esse controle social/religioso sobre o pensamento científico. Mas, de maneira alguma, o conflito pode ser resumido a um embate entre ciência e credo religioso. Afinal, a sociedade pode ou não pode exercer algum tipo de controle sobre a comunidade científica? Não pode, deve! Achar que os cientistas lidam com coisas complexas demais para serem entendidas por leigos, não tem justificativa plausível para ser aceita sem uma maior reflexão. Apesar de ser uma atividade exclusivamente humana, a ciência, não necessariamente, corrige a si mesma, requerendo, portanto, de controles sociais, para definir os seus limites de atuação e o alcance dos seus resultados. Não é outra coisa, ainda que nem sempre assumido, o papel exercido por comitês, formados por pares de comunidade científica ou mistos, com representações da sociedade civil, que se prestam à avaliação de novos projetos e relatórios de pesquisa.


É bem provável que um Galileu Galilei contemporâneo não tivesse melhor destino que o seu congênere do passado. O Galileu do século XVII foi julgado por cardeais inquisidores, que usaram como referencial a determinação Concílio de Trento que proibia a interpretação das Escrituras (Bíblia) de maneira contrária à opinião comum dos Papas. E o Galileu do século XXI, em tese, sofreria sansões, veladas, dos “colégios invisíveis”, ou, explícitas, de algum comitê de pares, que, usando a sua ignorância como o limite da medida das coisas, não daria o aval para a publicação dos seus artigos e nem para a aprovação das suas propostas de pesquisa.

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