A deputada Marielle do PSOL foi assassinada e imediatamente os culpados foram identificados por políticos e boa parte da imprensa: a polícia e todos os que são contra os negros, favelados e oprimidos. Há, a mão capitalista e do imperialismo a querer causar retrocesso num país que navega por águas de prosperidade e credibilidade internacional. Além da constatação pública da culpa, atos de protestos e manifestações oportunistas inundaram as páginas de jornais e telejornais exigindo, por clamor, a aplicação célere da justiça. Pena que tamanha devoção à punição dos culpados não tenha sido aplicada à morte do prefeito petista Celso Daniel. Pena que comoção não há quando humildes cidadãos que vestem a farda para combater o crime perdem a vida por tiros de fuzis, quando crianças, cidadãos de bem e outras mulheres são vítimas do que se chama “balas perdidas”.
A glamourização da bandidagem começou há muito; o culto ao mau-caratismo iniciou com Macunaíma (Mário de Andrade, 1928); o uso da expressão popular “descamisados” iniciou pelo populismo de Juan Peròn, aquele mesmo que conseguiu reduzir a pujante Argentina num país de atrasos econômicos. Fernando Collor se apropriou da expressão porque parecia simpática, tinha a ver com o cidadão comum, aquele que não se sentia representado e, sobretudo, rendia enormes simpatias e votos. Nada como comer pastel com descamisados, desde que haja alguém por perto para fazer registros, nada como abraçar crianças famélicas. A glamourização da bandidagem vem sendo vendida pelo que se chama de arte em “Lúcio Flávio”, filme de Hector Babenco de 1977, em “Meu Amor Bandido” de Marisa Raja Gabaglia, romanceando seu relacionamento com o cirurgião plástico-bandido Hosmany Ramos. É também mostrada à exaustão nas telenovelas brasileiras em que, estranhamente, há poucos personagens que trabalham, batem ponto, que não traem suas mulheres e que buscam, pelo estudo, ascensão social. Bons exemplos não rendem, gostamos do circo pegando fogo,
Um país rico em subornos e descumprimento de leis é feito de aproveitadores e desatentos numa balança desigual, há sempre alguém que se aproveita dos acontecimentos para desfilar teorias do “vamu lá”,” vamu quebrá tudo”, “perdeu”, “agora é nóis, mano”. Se não somos aproveitadores, somos desatentos. É hora de mudar radicalmente, se não somos parte da solução, somos parte do problema.
A grande pergunta, a mesma do assassinado do prefeito de Santo André Celso Daniel, em janeiro de 2002, que se faz em relação à deputada covardemente assassinada é: quem será o maior beneficiado desse acontecimento? Há movimento para que as forças armadas abandonem a cidade do Rio. Quem tem interesse nessa retirada? Nada melhor que um fato novo, algo que cause comoção, que mobilize a intelligentsia. Pena que o cadáver de Celso Daniel permanece insepulto já que não mereceu a mesma distinção de alguns políticos e artistas aproveitadores.