O que resta é cerca de 3% das araucárias que habitavam o Brasil entre 1800 e 1900, quando começou o ciclo da madeira e iniciou a exploração dessa árvore, a exemplo do Pau-Brasil. A madeira foi o principal produto de exportação durante dezenas de anos do Brasil para a Europa e, com a expansão agrícola, a araucária perdeu seu espaço. Mesmo sendo figura presente na paisagem sul-brasileira, há uma necessidade eminente de ampliação na cobertura de florestas com araucárias, especialmente no sul do Brasil, garantindo a subsistência dos ecossistemas relacionados ao pinheiro brasileiro.
A Universidade de Passo Fundo (UPF) é palco de um importante debate acerca da conservação dessa árvore no III Seminário Sul-Brasileiro sobre a Sustentabilidade da Araucária. O evento teve sua abertura oficial na manhã dessa quarta-feira, 23 de maio, e segue até sexta-feira, 25 de maio, com um amplo debate de temas como cadeias produtivas, inovação, políticas públicas e legislação, conservação e educação. As atividades são realizadas no Centro de Eventos da UPF e reúne representantes de todo o país e duas comitivas argentinas de Instituições de Missiones e de La Plata.
O evento é uma realização do Projeto Charão do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UPF e uma promoção de diferentes instituições. Além da UPF, são promotoras a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Embrapa Florestas. O objetivo é oportunizar um amplo debate sobre o uso sustentável, a produção e a conservação do Pinheiro-Brasileiro, envolvendo sociedade e poder público do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Coordenador do evento, o professor Jaime Martinez, destaca que o evento reúne pesquisadores envolvidos com o pinheiro-brasileiro e a Floresta com Araucária, que atuam em áreas de conservação, produção e inovação, e que podem subsidiar o poder público na elaboração de políticas públicas voltadas a salvar uma árvore que foi amplamente explorada no Brasil.
Ampliação da área e preservação do ecossistema
Na UPF, o esforço coletivo para a preservação da floresta de araucária iniciou com o projeto Charão e o com o programa para conservação do papagaio do peito-roxo, já que ambas as espécies dependem da produção de pinhão durante alguns meses do ano para sobrevivência. Segundo Martinez, menos araucária significa menos papagaios e, como as duas espécies de papagaios estão ameaçadas, uma das estratégias para sua conservação é a ampliação do seu habitat. “Temos uma urgência muito grande de ampliarmos a cobertura de florestas com araucárias no sul do Brasil”, destaca o professor.
Conforme ele, houve uma perda expressiva em termos de cobertura com araucária e há um processo lento de recuperação que precisa ainda ter intensificadas suas estratégias, entre elas a questão do plantio. “Precisamos fazer com que o proprietário de terras se encante com a araucária. Trazemos para este seminário várias pesquisas que mostram que a araucária pode ser aproveitada, que a floresta pode ser manejada na retirada dos pinhões, mantendo a floresta em pé e, além disso, há possiblidade de plantio de erva-mate, que cresce a sombra das araucárias. Isso é produção sustentável”, frisa ele.
As pesquisas desenvolvidas com a araucária, de acordo com Martinez, têm mostrado que ela se insere no processo produtivo dentro das propriedades. “É arriscado manejar as florestas naturais, pois são poucas. Com isso, a estratégia seria o plantio de pomares de araucária”, destaca, explicando que cada pinheiro começa a produção próximo dos 15 anos, no entanto, pesquisadores já identificaram na natureza árvores mais precoces. Uma das árvores referência está em Caçador/SC, que começou a produzir aos 8 anos. Além dessa, já foram identificadas árvores com pinhas maiores e com produção elevada. “Todo esse material genético, a pesquisa já está propagando, para que a produção possa iniciar em menos tempo e que possa produzir mais”, afirma.
A pesquisa, segundo Martinez, é indispensável para que efetivamente haja uma ampliação da área e, com isso, a preservação do ecossistema. “A araucária tem 230 milhões de anos na Terra e ainda há muito pouco em termos de pesquisa sobre ela. Esse encontro traz várias universidades para que possam visualizar trabalhos futuros para a araucária, buscando resultados que possam ajudar tanto na produção, quanto na conservação da espécie”, declara.
Araucária cultivada
Palestrante na abertura do evento, o engenheiro agrônomo Flávio Zanette, da UFPR, abordou o “Uso sustentável e produção da Araucária”. O pesquisador estuda o pinheiro-brasileiro há 33 anos e tem mais de 10 teses sobre o tema. Segundo ele, resta um entrave para a ampliação da área de araucária: a legislação autorizar que espécie possa ser uma planta cultivada como qualquer uma outra. “Estamos batalhando para que as autoridades declarem a araucária - planta nativa do Brasil, domesticada - que a torne uma planta cultivável, como é pinus e o eucalipto. Só isso salvará a araucária da extinção”, ressalta.
Na opinião dele, a araucária é uma planta pioneira, que é do clima centro-sul do Brasil, de uma importância econômica incalculável e que pode dar lucro ao proprietário rural, preservando as condições ambientais. “Essa é uma planta que, no ecossistema do Sul, é extremamente favorável para a flora para a fauna”, pontuou, destacando as possibilidades de ganhos com a espécie. “A araucária vale muito mais de pé do que deitada. Ela vale muito não somente pelo pinhão, mas por todos os subprodutos, como o nó de pinho que é um elemento biocombustível vegetal e a grimpa que também pode se transformar desde biocombustível até a construção de aglomerados ou adubo. São vários produtos que podemos tirar da araucária sem derrubá-la, isso sem falar da qualidade da madeira”, declarou Zanetti. Um dos últimos estudos do pesquisador apontou que a araucária não se trata de uma árvore e nem de uma palmeira. Trata-se de um fóssil vivo, como tem que sido descrita botanicamente, que tem características de palmeira e tem características de árvore”, explicou ele.
Reconhecimentos
O III Seminário Sul-Brasileiro sobre a Sustentabilidade da Araucária, além de debater todos os aspectos relacionados a produção, também oportunizou um momento de reconhecimento para personalidades que tiveram um trabalho expressivo para o contexto. Representando o Paraná, nesta quarta-feira, 23 de maio, quem recebeu o reconhecimento foi o empresário Carlos Antonio Gusso, que esteve presente no seminário.
Gusso é presidente da holding que comanda a empresa Risotolândia, que prepara e serve 550 mil refeições diariamente e atende espaços como escolas, empresa e hospitais. Foi iniciativa de Gusso o projeto Gralha Azul, que propôs a produção de 15 milhões de mudas de araucária, para distribuição gratuita no Paraná. As atividades iniciaram em 2005, com produção feita por apenados de uma Colônia Penal paranaense e seguiu até 2015, sendo reconhecida com um prêmio nacional como melhor projeto sócio-ambiental nacional. “A intenção era plantar dois pinhões para cada habitante da cidade”, disse, referindo-se a Curitiba. “É preciso incentivo para que as boas ações sejam realizadas. Basta ter vontade para que as coisas aconteçam”, ressaltou, ao agradecer pelo reconhecimento.
Conforme Martinez, nesta quinta-feira, 24 de maio, será homenageado o representante de Santa Catarina, o botânico e pesquisador João Mattos, que está com 92 anos e foi quem escreveu os primeiros livros sobre o pinheiro brasileiro. Mattos será representado pela filha, que receberá a honraria, um reconhecimento pelo trabalho realizado durante tantos anos.
Na sexta-feira, dia 25 de maio, o representante do Rio Grande do Sul será condecorado. Trata-se do Engenheiro Florestal Artur Soligo, que foi o gestor da Floresta Nacional de São Francisco de Paula, sendo reconhecido pelo seu trabalho em prol dessa área natural protegida e também pelas suas pesquisas que envolveram a araucária.
Apresentação de trabalhos
Diferentes estudos foram apresentados no III Seminário Sul Brasileiro sobre a Sustentabilidade da Araucária, que teve 64 trabalhos científicos inscritos, oriundos de universidades do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, e também da Argentina, em especial da província de Misiones, que também abriga Florestas com Araucárias. A Comissão Científica selecionou 18 trabalhos para serem apresentados na forma oral, na tarde dessa quarta-feira, dia 23 de maio. Os demais trabalhos estão expostos na forma de pôster, todos contemplando uma ou mais das áreas temáticas do evento, entre elas, áreas de Conservação e Biodiversidade, Produção e Cadeias Produtivas, Inovação, Política e Legislação, além de Educação. Os trabalhos também serão publicados no livro dos Anais do evento.
Reunião de Unidades de Conservação
Uma das atividades paralelas do III Seminário Sul Brasileiro sobre a Sustentabilidade da Araucária será a reunião das Unidades de Conservação que protegem a Floresta com Araucárias. Já estão confirmadas as presenças dos gestores do Parque Estadual do Espigão Alto, da RPPN UPF, da Floresta Nacional de Passo Fundo, do Parque Natural Municipal de Carazinho, da RPPN Papagaios-de-Altitude, do Parque Natural Municipal de Sertão, do Parque Natural Municipal do Pinheiro-Torto, do Parque Estadual do Papagaio-Charão, entre outros. A reunião das unidades de conservação em Florestas com Araucárias ocorre nesta quarta-feira, 23 de maio, após a sessão de apresentação de trabalhos científicos.
Seminário
O III Seminário Sul-Brasileiro sobre a Sustentabilidade da Araucária segue com intensa programação até sexta-feira, dia 25 de maio. Confira toda a programação acessando
upf.br/araucaria.