OPINIÃO

Meio século de um filme que não envelhece

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2001 – Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, completa em 2018 meio século do seu lançamento. É um filme dicotômico: difícil encontrar alguém que fique indiferente. Normalmente, ou ele seduz o espectador que passa a idolatrá-lo como uma obra superior, ou desperta ódio pelo seu ritmo, incongruente com o público acostumado ao ritmo mais ágil quase obrigatório do cinema mainstream contemporâneo. 

A aura que paira em torno de “2001” não sobrevive apenas pelas suas qualidades audiovisuais. Alguns filmes na história do cinema conseguem suplantar o status de simples obra audiovisual, principalmente pelo seu potencial de questionar o espectador, independente do seu tempo. Bergman, Kubrick e Tarkovsky são alguns diretores que conservam em sua filmografia esse aspecto bem particular.  O filme de Kubrick está ali, encravado no passado, mas parece constantemente apontar para um futuro ainda não alcançado, ao mesmo tempo que nos questiona do nosso lugar no universo. O ano que data o filme tornou-se passado, o homem não vive em estações orbitais, não tem tecnologia para fazer vôos tripulados à Júpiter. Mesmo assim – e considerando que muito do que é visto no filme já se tornou realidade – “2001” não envelheceu. O que sobrevive, mais do que título ou previsões, é seu conceito, e ele não vai deixar de fazer sentido jamais, porque não se propõe a fornecer respostas. “2001” foi feito para gerar perguntas, não para fornecer respostas. Uma ideia que casa com um dos muitos conceitos da crítica e da teoria cinematográfica, que reza que ela não deve trazer explicações, mas suscitar questionamentos constantes em torno da obra e do ato de interpretá-la.

“2001” é a obra de um artista tão seguro de si que se permitiu o luxo de não abrir nenhuma brecha em sua linha narrativa com o intuito de agradar ou conquistar o público. Obra e filme, se nasceram juntas a partir de um mesmo processo criativo, explicitam o fato de pertencerem a pais diferentes. O escritor Arthur Clarke deu à sua obra um sentido visionário, quase profético. Já Kubrick, que a filmou ao mesmo tempo que Clarke a escrevia conjuntamente, fez de “2001” um exercício visual muito particular. Meticuloso. Enigmático. Crítico. E silencioso (menos de 2/3 do filme contém algum diálogo).

Sutilmente, Kubrick expõe a insignificância do homem através da sua relação com o novo ambiente, o espaço. Ao atravessar as fronteiras de seu pequeno planeta, o homem perde o controle das suas ferramentas (a caneta que voa na gravidade zero), regride até tornar-se quase um bebê, que precisa aprender a andar de novo (lentamente, e com ajuda de botas especiais) e precisa ajuda até para respirar. No paralelo com o homem pré-histórico, que assim como o astronauta quer sempre tocar o desconhecido, uma pergunta: depois de milhares de anos, será que realmente evoluímos?  O uso das cores também tem seu sutil significado: o vermelho representa o perigo, a ameaça – presente nos avisos das telas e no frio e insensível olho eletrônico de Hal – enquanto o azul do planeta representa a esperança, o futuro (maximizado na cena final). E tão importante quanto o jogo visual, a trilha sonora de temas clássicos complementa a narrativa, denotando evolução e ritmo em uma valsa de Strauss ou a pompa e a circunstância em uma peça sinfônica do mesmo compositor (Also Sprach Zarathustra)

A tecnologia, um dos dois grandes alvos do “discurso” de Kubrick – o outro é a já dita relação entre o homem e o universo - é ao mesmo tempo a grande conquista e a grande vilã. E a ironia suprema é verificar que, de todos os personagens, é a máquina o único ser a esboçar algum tipo de emoção, a fugir da lógica fria dos números e o pensamento racional. Não é à toa que, no momento em que começa a “morrer”, HAL começa a cantar “Daisy” como se fosse uma criança, contrapondo aos personagens humanos que não demonstram uma só emoção durante o filme, seja nas cenas de perigo ou de tensão. O quase romantismo presente no último ato que vem logo depois, e sua visão poética dessa relação entre homem e universo, até contrasta com a frieza racional do segundo e terceiro atos, mas é perfeitamente justificável porque Kubrick e Clarke também querem dizer que, apesar de pequeno, o homem tem, sim, importância. E esse constante questionamento do seu lugar minúsculo no universo é um dos grandes legados de um dos maiores filmes da história.

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