OPINIÃO

Arte x Diversão

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Cinema, afinal, é arte?
Faz mais de um século que um teórico colocou em palavras a afirmação que sim,  ele é arte.  Em 1912, um manifesto assinado por um italiano chamado Riccioto Canudo deu ao cinema a alcunha de sétima arte. Não há como afirmar que uma arte é melhor ou maior, mas o cinema é seguramente a mais abrangente de todas as artes – afinal, ele agrega tudo o que há nas demais. Em um filme, há elementos da poesia, da música, da arquitetura, da escultura, da pintura. Até por isso, quem estuda cinema aprende desde cedo que ele é composto por elementos chamados não-específicos (que vem dessas artes) e específicos, que nasceram com ele.

Mas ele é respeitado como arte?
Não.
Tem uma história que eu sempre uso quando falo sobre isso escrito por uma teória americana famosa, Kristin Thompson, que ilustra o quanto o cinema é desconsiderado como arte séria, e visto apenas como um entretenimento sem maiores implicações. Thompson diz que costuma ser abordada constantemente por pessoas que pedem a ela indicações de cânones cinematográficos, filmes que qualquer pessoa precisa conhecer. Ela, via de regra, costuma indicar sempre o mesmo filme: A Grande Ilusão, um filme anti-bélico dirigido  por Jean Renoir (filho do famoso pintor) em 1937, constantemente presente na lista dos mais importantes filmes de todos os tempos.

A reação à indicação de Thompson costuma ser a mesma. As pessoas dão de ombros, surpresas com a indicação, e ela costuma ouvir sempre a mesma frase.

- Ah, não conheço não. Nunca ouvi falar.
(hoje seria comum  ouvir o complemente “Tem na Netflix?)

Thompson argumenta que foi a partir de sua experiência que se deu conta de como as pessoas pouco se importam com o cinema de forma séria, porque, se alguém reagisse dessa forma a um cânone literário (A Odisséia, Dom Casmurro...), musical (Mozart, Bach, Beethoven...), da arquitetura (o Partenon...) ou da pintura (a Mona Lisa, o Grito de Munch, a Ronda Noturna, de Rembrandt) a reação geral seria de inconformidade. Aliás, as pessoas teriam vergonha de afirmar não conhecer algum cânone de outras artes porque elas são, com  frequência, vistas com mais respeito e seriedade.

Já no cinema, ninguém tem vergonha de não conhecer a obra de Renoir, ou os filmes de Lang, Murnau, Welles, Sjostrom, Satyajit Ray, Mizoguchi ou Ozu. É na falta dessa vergonha em admitir ignorância que Thompson enxerga um sintoma de como o cinema, como arte, ainda está muito atrás das demais, algo que dificulta muito a que dêem a pessoas como ela, teórica e estudiosa, também, um respeito pela importância de seu trabalho.

O pior, para a Thompson, é saber que a tendência é de ampliar ainda mais essa distância que separa o hábito do reconhecimento, uma vez que, cada vez mais, as novas gerações vão misturar a palavra cinema à palavra entretenimento – e dá pra acrescentar que não é preciso separar elas, já que é possível se divertir muito com a ideia de que há arte envolvida no processo, vide os games, que têm sido incluídos por vários teóricos como uma nova arte. Já noto isso quando alguns alunos me observam ser difícil de ver filmes mais antigos porque tem um “ritmo diferente, parece que nada acontece”. O filme preto e branco, então, é simplesmente ignorado. Aquilo não pode ser sério....

Te cuida, Thompson, a coisa anda feia pro teu (nosso) lado....

 ***

Nunca vou ser uma Thompson, mas os alunos gostam de saber sobre as séries que eu indico na Netflix. O papo costuma dar boas risadas. Não suportei ver La Casa del Papel (um novelão), assim como não suportei a segunda temporada de 13 Reasons Why ou a primeira de 3% ou Altered Carbon.
Mas achei promissora a nova versão de “Perdidos no Espaço”, indico demais “Manhunter: Unabomber”, uma série muito semelhante à famosa “Mindhunter” (mas melhor, inclusive em linguagem audiovisual), comecei deslumbrado a ver “Better Call Saul” e acho “American Crime Story” (a primeira temporada) uma das melhores dos últimos anos. Sigo “Designated Survivor” como um guilty pleasure, uma série que começou bem e se tornou chavão. Mas não indico mais porque, sinceramente, prefiro assistir, no tempo de dois episódios, a um bom filme.
Ah, e eles não estão na NETFLIX... 

 

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