Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que, na noite de 14 para 15 de julho de 1789, impulsionaram a queda da Bastilha, determinando o fim da idade moderna e a entrada da humanidade nos tempos contemporâneos, pareciam que não estavam mais tão arraigados assim, na França, no último quartel do século XIX. As opiniões de cunho nacionalista e reacionárias, impregnadas pelo ódio chauvinista, os preconceitos de ordem religiosa e raciais e a luta de tradições, envolvendo a disputa entre a clerical, monarquista e conservadora, de um lado, e a republicana, radical e laica, do outro, tomavam conta do debate público na terra das liberdades. E foi nesse contexto que se deu o famoso caso Dreyfus, que, em tempos de intolerâncias como os que ora estamos vivendo no Brasil, talvez seja oportuna a sua rememoração, especialmente pelas tristes lições deixadas como herança.
O processo Dreyfus, considerado por muitos como um notório caso de antissemitismo político envolveu intrigas, denuncias falsas, julgamentos apressados e condenações injustas. Corria o ano de 1894, quando Alfred Dreyfus, francês de origem judaica, ao galgar postos na carreira militar, começou a se tornar mal visto entre os colegas. Eis que surge um documento, subtraído da Embaixada da Alemanha, supostamente enviado ao adido militar alemão Schwartzkoppen, tratando do repasse de informações confidenciais que ameaçavam a segurança da França. Uma trama foi urdida para condenar Dreyfus por alta traição. Peritos em caligrafia ora são vagos quanto a autoria do documento e ora, pela similaridade da letra, são taxativos na afirmação que fora escrito por Dreyfus. O acusado foi condenado. Um afã nacionalista conspirava contra ele. Os jornais sensacionalistas o atacaram com virulência. Em14 de outubro de 1894, sentenciado com a deportação para a prisão na Ilha do Diabo, Dreyfus foi preso.
Alfred Dreyfus insiste que é inocente. O processo tem idas e vindas. Surgem fatos novos. Um bilhete da amante do coronel Schwartzkoppen incrimina Walsin-Esterházy, oficial de origem húngara, como o verdadeiro traidor. Outro julgamento acontece. Esterházy é inocentado. A condenação de Dreyfus é mantida. Eis então que Émile Zola entra em cena, publicando, em 13 de janeiro de 1898, no jornal L'Aurore, um documento que percorreu o mundo com o nome francês “J`Accuse”. Uma carta indignada ao presidente da França, Félix Faure que, em apertada síntese, pode ser assim resumida: “Acuso o tenente coronel Du Paty de Clam de ter sido o diabólico fator do erro... Acuso o general Mercier de cumplicidade... Acuso o general Billot de ocultar provas... Acuso o general Boisdeffre e o general Gonse de cúmplices do mesmo crime... Acuso o general Pellieux e o comandante Ravary de parcialidade... Acuso os peritos calígrafos de informes falsos e fraudulentos... Acuso as Oficinas de Guerra de campanha abominável na imprensa... Acuso o Conselho de Guerra de ter condenado um inocente e absolver um culpado... e encerrava... Meu protesto é o grito de minha alma...Me façam comparecer aos tribunais!”.
Após a publicação de J'accuse, Émile Zola foi processado por difamação e condenado a um ano de prisão. Exilou-se em Londres e só regressou quando o processo foi reaberto. Em novo julgamento, após a admissão pelo comandante Hubert-Joseph Henry que havia forjado provas, a condenação de Dreyfus, mesmo assim, foi mantida, mas ele recebeu um indulto. O que estava em jogo era a honra do Exército francês.
Émile Zola e sua esposa morreram asfixiados por emanações de monóxido de carbono de uma chaminé defeituosa, no seu apartamento em Paris, em 28 de setembro de 1902. Há quem vincule o episódio com o seu envolvimento no caso Dreyfus.
Nova revisão do processo aconteceu em 1906. A condenação foi anulada. Dreyfus foi reintegrado ao Exército e agraciado com a Legião de Honra. Mas, a sua inocência só pode ser comprovada, efetivamente, em 1930, quando os documentos de Schwartzkoppen foram publicados. Afred Dreyfus morreu em Paris, em 12 de julho de 1935.