As copas e as Copas
Já não fazem mais copas como antigamente. Isso vale para as magníficas copas artesanais da serra gaúcha e para as Copas do Mundo. As deliciosas copas, apertadas no barbante, foram deglutidas pela voracidade dos grandes oligopólios. Não foi muito diferente com a Copa do Mundo, mastigada pelos imensos grupos de comunicação e engolida por poderosos patrocinadores. Ah, mas alguém poderia dizer que as copas atuais, além de rótulos convidativos, seriam produzidas com “magníficos” controles industriais. Ou, então, que é graças ao dinheiro despejado pela mídia que as Copas foram transformadas em grandes espetáculos. Discordo duplamente. As copas produzidas artesanalmente tinham receitas familiares, transmitidas de geração para geração, e eram elaboradas com muito carinho. As Copas, enquanto de todo mundo, representavam desafios arrojados, eram mais humanas e menos burocráticas. Das copas penduradas no porão tirávamos fatias quase transparentes, pois cada lasca merecia ser degustada como uma iguaria. Nas Copas, com singelos recursos da mídia, os mais inusitados lances encantavam ao mundo. Saboreávamos a copa e admirávamos a Copa. Hoje, a copa e a Copa já não têm mais o mesmo sabor.
Pasteurização
Da copa à Copa, aos poucos fomos pasteurizados. Nada contra Pasteur. Porém, uma pitada contra Lavoisier, pois essa infindável transformação já virou numa chatice. Nem sempre as mudanças representam uma evolução. A industrialização da copa e o consumismo institucional da Copa não são transformações benéficas. São ações que produzem um choque térmico para pasteurizar nossos sentidos e emoções. De um lado afetam o nosso paladar, pois nos induzem a consumir e, ainda, a apreciar industrializações artificializadas. De outro, atingem o nosso senso crítico, pois determinam os personagens que devemos admirar e aplaudir. E durante a Copa vendem de tudo. Inclusive copa.
Distanciamento
Não me recordo da Copa de 1958, mas estive no desfile de rua do bicampeonato em 1962. Lembro-me da decepção de 1966, que provocou a indignação de Pedro Carneiro Pereira, narrador da Rádio Guaíba. Depois veio a Copa de 70, a primeira que assistimos pela televisão. E, mesmo no auge da repressão, também houve gritos de gol. Na época, todos os jogadores atuavam em times brasileiros. Inclusive Pelé. Depois disso, o quadro mudou. E como pouca gente acompanha o futebol do exterior, há uma distância entre os torcedores e os jogadores da seleção. Já as copas também estavam mais próximas, pois eram produzidas aqui em Passo Fundo, Erechim, Nova Bassano ou Sananduva. Tanto as Copas como as copas ficaram distantes. E a distância é um convite à separação.
Poltronas
Quem é o melhor do mundo? Após 1970, esse é o questionamento. As discussões envolvem jogadores que atuam na Europa. Antes, “Ele”, como narrava Geraldo José de Almeida, era inquestionável. Em 1970 tive o privilégio de assistir Pelé na inauguração do Colosso da Lagoa. E adivinhem quem marcou o primeiro gol do estádio? Ele. E foi aqui, bem pertinho. Então, havia uma identificação maior. Mas tudo mudou depois que trocamos as arquibancadas pelas poltronas. E já estamos sentados. Boas copas.
Trilha sonora
De 1977, Emerson, Lake & Palmer - C'est La Vie
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