Somos ridículos
“Não existe nada mais ridículo na face da terra do que o ser humano”. A frase é do saudoso amigo Fernando Antonio Nascimento, parceiro de balcão nos bons tempos do Gringo, em Itapema. Fernandão, aproveitando o rápido revezamento da mão direita entre o violão e o copo, sempre tinha uma boa tirada. Para isso não faltavam inspirações, pois vivíamos num cenário riquíssimo e até exótico. Em afinadíssima predisposição à crítica comportamental, estávamos num paraíso. Na parte interna, o Ernesto destilava um finíssimo humor com algumas doses de ranço portenho. Sentados em banquetas na calçada, convivíamos com todos que passavam por ali. Posicionados ao lado do Rio Bela Cruz e da Ponte de Pedra, recebíamos altas vibrações. As mais fortes faziam tremer o balcão. Isso, claro, quando passavam os ônibus amarelos da Praiana ou os verdes do transporte municipal. Os condutores desses coletivos eram estopins para uma abordagem direta sobre a ridicularia. Nosso foco era a velocidade excessiva para ruas estreitas. Uma imprudência que poderia resultar em tragédia. De acordo com nossos cálculos etílicos, havia até projeções sobre o cruzamento simultâneo do verdinho com o amarelinho sobre a ponte. Mas, ainda bem, nunca ocorreu a materialização do choque entre os ridículos.
Ridicularizando
Calçadas e pistas estreitas parecem não sensibilizar ridículos governantes. Para não obstruir o passeio público ficávamos grudados ao balcão, instalado num janelão. A pista da avenida é um trecho remanescente da estrada Itajaí – Canto Grande, uma das mais antigas linhas do litoral catarinense. E tudo passava pela ponte. Pequenos acidentes eram rotina e incidentes uma constante. Fatos que, invariavelmente, comprovavam como é ridículo o ser humano. Motos invadiam a calçada e até desciam pela escada para pedestres na ponte. Muitas vezes deixamos o copo no balcão para auxiliar vítimas de acidentes com carros, motos, bicicletas e até skates. Tudo isso a poucos metros ou a alguns centímetros de onde estávamos! Certamente éramos protegidos por Iemanjá, enquanto o rio conduzia pétalas de rosas brancas para o mar.
Ridicularização
A uma quadra da prefeitura, era o local preferido pelos políticos. Nas segundas, após sessão na câmara, dividíamos o espaço com vereadores e secretários. Então o ridículo explícito permitia gargalhadas, ao ponto de o Gringo querer cobrar couvert artístico. Entre nativos e importados, estávamos com novos ricos, filósofos retornando a pé de Woodstock, ótimas cabeças e alguns acéfalos. Assim, nunca faltaram ingredientes para o exercício da ridicularização. Sofríamos mesmo era com a agressividade da barulheira dos carros, quando os ridículos ouviam músicas mais ridículas do que os próprios. E ainda davam uma ridícula paradinha antes da ponte. Hoje, continuamos convivendo com ridículos deste naipe. O Fernando, que deixou o plano dos ridículos no ano passado, estava coberto de razão. De fato, o ser humano se esforça para ser cada vez mais ridículo.
Trilha sonora
Lançada em 1967, 40 anos depois ganhou uma nova roupagem com o finlandês Ville Valo e a polonesa Natalia Avelon. O resultado ficou ótimo: Summer Wine
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