OPINIÃO

Bergman em Passo Fundo

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A partir da próxima quarta, dia 14, começa no  SESC de Passo Fundo a mostra “O Lobo à Espreita – Uma Homenagem ao Centenário de Ingmar Bergman”. Serão nove filmes do gênio sueco exibidos na tela grande, gratuitamente, algo difícil de acontecer no interior. O horário pode ser um dificultador, mas ter a chance de ver algumas obras-primas do diretor é única.

“O Sétimo Selo” (quarta, dia 14, 9h) é, talvez, a mais famosa obra de Bergman, Não é meu preferido do diretor (tenho certa dificuldade com algumas tentativas de humor) mas essa sátira ao pensamento medieval encontra seus contrapontos a todo instante nas angústias de seus personagens. Foi um passo adiante do diretor na sua filmografia, ao sair dos seus “filmes de juventude” para começar a inserir na sua filmografia seus maiores conflitos internos. Um dos maiores deles – o silêncio de Deus e a angústia do homem – começa a ser visto aqui, na história de um cavaleiro que volta das cruzadas e questiona sua fé numa terra tomada pela peste e, pasmem, pelo homem e sua natureza. 

Já “Persona” (quarta, dia 14, 19:30h) é, para muitos, a sua grande obra-prima. Para o crítico John Simon, Persona “é o filme mais difícil de todos os tempos”. Ele é singular na obra do diretor, feito entre sua famosa trilogia do Silêncio e sua fase ao final dos anos 60 em que o questionamento do papel do artista entra forte em sua filmografia. Em “Persona”, Bergman transforma a ideia central do filme – a de que todos usam máscaras para serem “outros” em múltiplas personalidades – em um jogo audiovisual que a todo instante reforça essa ideia pela imagem, montagem e pela própria estrutura do filme, a partir da história de uma atriz que entra em colapso e silencia-se. Uma enfermeira a acompanha no seu tratamento em uma ilha e as duas passam a influenciarem-se mutuamente e a mesclarem suas personalidades.

No dia 16, sexta, é a vez de “Morangos Silvestres” (9h), outra obra-prima. Mais do que um olhar sobre o ato de envelhecer, um olhar sobre o ato de aceitar se redimir: a história de um idoso professor que resolve viajar de carro até outra cidade para receber uma homenagem por sua carreira. Na companhia da nora, a viagem se transforma em uma experiência nostálgica sobre o passado e suas relações com  as pessoas. É um trabalho maravilhoso de iluminação, com uma luz de preenchimento dura e contrastante e que ajuda a criar alguns dos mais bonitos enquadramentos da carreira do diretor, um lembrar carregado de autocrítica e nostalgia, às vezes assustadora, às vezes terna, como são, de forma contrastante, a morte e o amor, parceiros e opostos dessa história.

“Sonata de Outono” (sexta, dia 16, 19:30h) reúne um “duelo” de interpretações fabuloso entre Liv Ullman, ex-mulher e atriz preferida de Bergman, com a eterna Ingrid Bergman (de Casablanca), em sua única parceria (e em seu último filme também) com Ingmar. Outros temas preferidos de Bergman surgem: a família e o casamento. Trata da relação entre uma famosa pianista e sua filha. O roteiro é um presente para duas grandes atrizes em um filme dividido pelo próprio ritmo da relação entre ambas, se encontrando não apenas após sete anos de distância, mas após uma vida inteira de proximidade inócua. É um grande filme, que conquista a atenção do público gradualmente através dessas duas atrizes memoráveis, que expõem, pelo olhar, a frustração, o ressentimento e, ao mesmo tempo, a tentativa de amar.

Para finalizar a primeira semana, teremos “Vergonha” (terça, dia 21, 19:30h). Max Von Sydow e Liv Ullman interpretam um casal vivendo em um país nunca identificado, mas que é assolado pela incerteza de uma guerra civil que sai das cidades e chega ao campo. A guerra, aqui, é o pano de fundo da história de um casal  que não quer se envolver nas questões políticas e, como reflexo, tem seu casamento abalado. O filme tem relação com a inconformidade de Bergman com a posição de neutralidade assumida pela Suécia ao longo dos conflitos do século XX. A diminuição da arte e do papel do artista, e a nocividade disso, surge aqui como também surgira, antes, em "A Hora do Lobo". Bergman critica não a guerra em si mas o efeito dela nos homens, e faz isso com uma construção de personagens fabulosa.

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