A Mostra Bergman, que o SESC traz a Passo Fundo, segue ao longo da próxima semana. Já havia comentado na coluna do último sábado sobre os filmes da primeira semana e, também, sobre “Vergonha”, filme da mostra para a próxima terça à noite, dia 21. Além dele, apenas um filme será exibido nessa semana, e será “Na presença de um palhaço”, filme da fase “televisiva” do diretor, de 1997, que eu não vi, mas que puxa um sub-tema comum na carreira do diretor, o mundo circense das artes, já retratado em “Noites de Circo” (1953), “O Sétimo Selo” (1957) e “O Rosto” (1958). Três filmes finalizam a mostra, na última semana do mês. Como pretendo dedicar a coluna do próximo sábado a duas outras atividades que vão finalizar esse mês dedicado ao diretor em Passo Fundo, e entre esses três filmes está um dos meus favoritos, me adianto para falar um pouco deles.
“Face a Face”, de 1976 (exibição dia 28/08, 19:30h), é um filme já rodado em uma época de problemas pessoais de Bergman, principalmente relacionados ao fisco sueco, que o levariam a abandonar o país e a filmar, nos anos seguintes, na Alemanha e nos Estados Unidos. Não é dos meus preferidos do diretor, mas tem Liv Ullman e Erland Josephson, o que já seria motivo suficiente para conferir a obra, que retrata os transtornos psicológicos de uma psiquiatra. Não fez parte da revisão que fiz neste ano, mas os diálogos crus entre Ullman e Josephson e a visão soturna da velha que assombra a perturbada psiquiatra são imagens que carrego do filme.
O penúltimo filme da mostra é, também, um dos meus favoritos. “Fanny & Alexander” (exibição no dia 29/08, 19:30h) foi a despedida de Bergman dos cinemas (mais tarde, o diretor seguiu fazendo filmes para TV e alguns foram lançados na tela grande, mas não como intenção original do diretor). O que mais se diz sobre "Fanny & Alexander" é que a obra é uma das mais simples e acessíveis de Bergman, o que não está errado, mas por "acessível" não se pode jamais pensar em, pela ausência da complexidade no tratamento dos principais temas de sua filmografia, encontrar um filme pobre em termos de imagem e som. Destaca-se o evidente papel da cenografia e das cores, e é maravilhoso, também, como a cenografia rica é explorada tanto horizontalmente como em profundidade - e não raro, temos personagens percorrendo o espaço do fundo ao primeiro plano e vice-versa. A alternância entre os planos abertos e os closes determinam a riqueza do discurso de Bergman. Esses planos abertos expõem melhor a dinâmica dos personagens, ricos em dualidades, lembranças da infância do próprio Bergman, como aliás em todos os filmes dele.
Essa nostalgia está nas personagens, nos atos pitorescos que mais nos levam a buscar os recantos da nossa infância e na forma carinhosa como Bergman dedica longos closes em objetos que despertam a sua lembrança, mas nos atingem do lado de cá, e o realismo mágico presente pelos toques sobrenaturais ou líricos só complementam essa despedida tocante do diretor dos filmes para o cinema.
O filme que encerra a mostra, no dia 30/08 às 19:30h, é “A Hora do Lobo”, de 1967. O que se diz é que é o único e impressionante filme de terror de Bergman. O que causa horror a diferentes pessoas normalmente tem relação com nossos próprios passados e experiências. Bergman promove em "A Hora do Lobo" uma série de digressões, experimentos e expressões de seus próprios demônios, já sem a preocupação excessiva à inquietante pergunta da primeira metade de sua filmografia (Deus existe? Por que ele não se manifesta?).
Alternando entre o sonho e o pesadelo, a partir da visão do casal de protagonistas em uma ilha isolada, Bergman tem seu filme de perturbação (acho melhor do que filme de horror) dividido formalmente entre a delimitação dos pesadelos externos e a personificação dos horrores. Se é aceitável carimbar rótulos a partir do que o diretor mostra ("filme de horror)", inútil é querer "explicar" um de seus mais enigmáticos e interpretativos filmes, que tem ganho, com o passar dos anos, mais respeitabilidade em comparação com outras obras mais famosas.
Para além da mostra do SESC, duas outras atividades irão discutir Bergman em Passo Fundo. A gente fala sobre isso na semana que vem.