OPINIÃO

Lidando com perversidades

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São passados 45 anos desde a publicação, em 1973, do famoso artigo de Horst Rittel e Mel Webber (Rittel & Webber, 1973), “Dilemmas in a General Theory of Planning”, publicado na prestimosa revista Policy Sciences (v.4, n.2, p.155-169), e, apesar de toda a repercussão que esse texto alcançou, pelo que tudo indica, ainda não aprendemos a lidar da forma mais adequada com os chamados problemas perversos que afligem a humanidade. Esse trabalho, quer seja pelo número de citações que recebeu, pelos downloads realizados e/ou pelos debates e novos artigos que suscitou, está entre os mais importantes na carteira de publicações da Policy Sciences. Em razão dos tempos que ora estamos vivendo, e tanto faz um olhar sobre o mundo ou sobre o nosso País, revisitar e refletir sobre os insights do artigo de Rittel & Webber não nos parece algo descabido.


Essencialmente, Rittel & Webber lançaram um olhar sociológico para definir os contornos e buscar soluções para os chamados problemas perversos (wicked problems na expressão original deles) que afligem as sociedades nas suas mais diferentes escalas de abrangências (local, regional, nacional ou global). Suscitaram a crítica à crença demasiada no poder do enfoque científico para a solução de problemas sociais. A mesma racionalidade, ordenamento de processos e de controles que, um dia, permitiu à NASA colocar o homem não Lua, não necessariamente são aplicáveis, com o mesmo grau de resultados esperados, quando estão envolvidos problemas sociais, em particular os que podem ser categorizados como perversos.


Há que se entender o que leva um problema social a merecer o designativo de perverso e porque algumas soluções políticas podem dar resultado e outras não. Um problema perverso, no escopo da definição de Rittel & Webber, nunca tem uma formulação definitiva; não tem uma regra de comando que o faça cessar de imediato; não possui solução, por mais sem sentido que possa parecer, do tipo falsa ou verdadeira, mas sim do tipo boa ou ruim; não existe um teste expedito de solução; não cabe solução por tentativa e erro; não compete meras soluções enumeráveis em um plano fixo; cada problema é essencialmente único, embora um pode ser decorrência de outro; os problemas contemplam formas diferentes de representação; não há espaço para soluções por tentativa e erro; e, mesmo que a infalibilidade humana não seja premissa aceitável e nem possa ser desconsiderada, quem formula um plano de soluções para esse tipo de problemas não pode se dar o direito de estar errado.


Exemplos de problemas sociais perversos não nos faltam. Alguns nos afligem indiretamente e outros de forma mais direta e no dia a dia da vida em sociedade. Inclua nesse rol: pobreza e desigualdade social; violência doméstica e urbana, combate às drogas, criminalidade, sistema educacional e de saúde pública debilitados, corrupção e improbidade administrativa, poluição ambiental, mudança do clima, terrorismo, imigração ilegal, barreiras ao comércio internacional etc. Uma simples lista que pode ser ampliada com relativa facilidade por qualquer leitor dessa coluna. E as soluções para problemas que possuem esse grau de perversidade social? São simples? São meramente tecnocratas? São únicas? O mercado livre tudo resolverá? Você acha que o Estado mínimo é a saída? O problema do desemprego é uma mera questão de falta de qualificação individual do desempregado? O combate à violência e à criminalidade são resolvíveis com o acesso da população a armas de maior calibre? A discussão sobre armas que serve para os EUA é a mesma que serve para nós?


Você, prezado leitor/leitora, é inteligente o suficiente para perceber que diante da perversidade desses problemas; ainda que existam soluções, essas não são únicas e nem simples. Exigem construção política. E para isso, uma parcela de SIM e de NÃO para cada um dos questionamentos postos é uma solução infinitamente melhor do que meros SIM e NÃO absolutos e postos de forma intransigente.

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