Escrever sobre Dirceu Neri Gassen (1953-2018), depois de quatro dias da sua morte, ocorrida no amanhecer da última segunda-feira (3), ainda que aparente, não é uma tarefa fácil. E não é uma tarefa fácil porque, além de tudo que foi dito e escrito desde o seu passamento, o próprio Dirceu, pelo trabalho que realizou, construiu uma história de vida que é por demais conhecida, deixando sem maior importância outros comentários feitos de fora desse contexto. De qualquer forma, nunca será demasiado reprisar a vida e a relevância da contribuição deixada por Dirceu Gassen para o desenvolvimento da agricultura brasileira.
Em breve síntese: Dirce Gassen nasceu em Santa Rosa, RS, no seio de uma família de agricultores, e formou-se em Agronomia pela Universidade de Passo Fundo, na turma de 1977. Fez mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na área de entomologia agrícola, em 1980. Fez curso sobre controle biológico de pragas na Universidade da Califórnia, nos EUA, em 1982, e cumpriu programa de disciplinas de doutorado (sem defesa de tese) na Lincoln University, na Nova Zelândia, no final dos anos 1980. Trabalhou como pesquisador na EMPASC (atual Epagri, 1979-1981), em Caçador, SC, e na Embrapa Trigo (1981-1995), em Passo Fundo. Foi coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento da Secretária da Agricultura e Abastecimento do RS, em Porto Alegre, de 1995 a 1997. E a partir de julho de 2000, assumiu a gerência da área técnica da Cooperativa dos Agricultores de Plantio Direto Ltda. (COOPLANTIO). Foi sócio da empresa Vértice Agrícola - Agricultura de precisão e consultor privado em agricultura. Fluente em inglês, alemão e espanhol foi um palestrante reconhecido internacionalmente. Autor de livros e informativos diversos sobre proteção de plantas (pragas e doenças), controle biológico de pragas, plantio direto e evolução na agricultura. Além de ter sido editor-técnico da Revista Plantio Direto.
A síntese do parágrafo anterior, ainda que correta, não faz justiça a Dirceu Gassen. O legado que ele deixou é imensurável. Será sempre lembrado como o profissional dinâmico e entusiasmado, que não media esforços para encontrar soluções para os problemas do campo; criando grupos de discussão; visitando lavouras, participando de eventos, no Brasil e em diversos países do mundo; fazendo postagens nas redes sociais; e sempre presente nos veículos de comunicação. O reconhecimento da importância do seu trabalho na área de entomologia agrícola levou-o a ser agraciado, em 1995, com o nome de uma espécie que parasita os adultos de Diabrotica spp, cujas larvas são pragas de diversos cultivos: Centistes gasseni. Dirceu foi um entusiasta do Sistema Plantio Direto, sendo impossível separar o seu nome dessa revolução no manejo de solo que mudou a face da nossa agricultura.
O principal traço da personalidade do Dirceu, em paralelo à competência profissional inquestionável, sempre frisando que "A produtividade é o conhecimento acumulado por hectare", era a alegria, o trato fácil e a disposição para compartilhar conhecimentos. Os que conviveram com ele lembrarão do trabalhador incansável, que chegou ao ponto de ter sido hospitalizado por estafa; que visitava lavouras à noite, com uma lanterna, para avaliar problemas de pragas noturnas; que era capaz de ficar imóvel durante horas, deitado entre as linhas de plantas de soja, para identificar o que estava causando danos nas lavouras; do contumaz perdedor de aparelhos celular no campo; do agrônomo sempre munido de pá, enxada, canivete e uma indefectível câmara fotográfica, para auxiliar no diagnóstico de problemas nas lavouras. Não foi sem motivo que a sua última mensagem publicada em rede social, no dia 30 de agosto, foi essa: "Cada indivíduo dedica tempo, energia, conhecimento…para cultivar a paz, desenvolver o bem... de acordo com o caráter e valores que têm...".
E havia também o Dirceu que ia ao encontro de amigos para jogar tênis sem levar a raquete; que gostava de andar de patins; que compartilhava as alegrias que estava vivendo, ao ponto de ter ligado para Ataides Jacobsen apenar para contar da emoção que estava sentindo ao entrar num estádio por ocasião da Copa do Mundo da Alemanha, em 2006; que era capaz de colocar um vagalume num saco plástico e sair à noite para demonstrar que iluminava para algumas crianças; que por andar sempre munido de uma rede entomológica caçando insetos, nos anos 1970, recebeu o apelido de Dirceu Borboleta, em alusão a um personagem da novela O Bem-Amado; e o Dirceu fotógrafo, dotado de técnica apurada, que para produzir um cartão de Natal com a imagem de um beija-flor passou horas à espreita da pose perfeita, como bem retratou a exposição “Visão do Agro através de imagem”, que fez em Gramado, em 2014.
A propósito de Dirceu Gassen, em mensagem especialmente dirigida à esposa Elaine, às filhas Tatiana, Thais e Tainara e aos genros Eduardo, Aramis e Richard, outra vez, socorro-me das palavras do poeta Manoel Bandeira, proferidas por ocasião da morte do escritor Mário de Andrade: “Você não morreu: ausentou-se. A sua vida continua na vida que você viveu. ” Requiescat in pace Dirceu!