Três meses após decisão do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que suspendeu a licitação do transporte público, a Prefeitura de Passo Fundo publicou, ontem (12), no Diário Oficial do Estado (DOE), a anulação do edital. Conforme o secretário de Transportes e Serviços Gerais, Cristian Thans, o aviso foi publicado agora porque o Município aguardava os prazos concedidos pelo TCE para que as empresas interessadas pudessem recorrer da sentença. Porém, não houve manifestação no período.
À época da decisão, o Executivo informou que faria nova licitação, corrigindo as inconsistências. Não há previsão para publicação do novo edital, mas Thans informou que a pasta está se reunindo e trabalhando com o Tribunal e com a Procuradoria-Geral do Município (PGM) na elaboração de um novo certame, dentro dos apontamentos e esclarecimentos feitos pelo órgão julgador. Por se tratar de um serviço essencial à população, as empresas continuam prestando o serviço até que saia uma nova licitação.
Paralelo a isso, tramita na Justiça de Passo Fundo duas ações que envolvem o edital de licitação do transporte público. Um dos processos é um pedido de anulação do certame, proposto pela empresa Coleurb em dezembro do ano passado. A segunda é uma ação civil pública, ingressada pelo Ministério Público (MP-RS) em 2005. Ambas estão com a juíza Rossana Gelain, titular da 1ª Vara da Fazenda Pública.
Logo após a decisão do TCE, em junho deste ano foi realizada uma audiência, na ação civil pública, com a Prefeitura, o MP e a Coleurb. Na ocasião, como a decisão ainda não havia sido publicada pelo Tribunal de Contas do Estado, a magistrada deu prazo de 30 dias para que o Município informasse quais as medidas seriam tomadas. A ata também foi anexada ao processo proposto pela Coleurb.
Decisão do TCE
Em 5 de junho, conselho relator, Alexandre Postal, apontou irregularidades no edital referentes ao critério de atualização da tarifa, a localização do motor do ônibus e a possibilidade de participação de empresas que não tenham especialização em transporte coletivo urbano. No âmbito do TCE, o processo licitatório já estava suspenso desde o dia 5 de fevereiro, quando o órgão havia expedido liminar determinando que o Executivo não efetuasse a contratação da empresa declarada vencedora do edital de licitação, a Stadtbus. A prefeitura entrou com recurso para tentar derrubar a liminar, mas foi negado.
O processo do TCE que derrubou o edital de licitação foi uma solicitação da Coleurb. A empresa buscou parecer do Tribunal ao processo licitatório, depois que o município negou rever o edital. Um dos itens questionados era a exigência do motor traseiro ou central nos veículos. Esta determinação, segundo relatou a empresa em outra ocasião, inviabiliza a realização do cálculo tarifário, responsável pelo valor da passagem, por apresentar despesas diferentes. A prefeitura chegou a manifestar sobre isso dizendo que 'poderia' ser veículo com motor dianteiro, mas não fez a devida alteração no edital, gerando uma situação duvidosa para o cumprimento futuro do contrato.
Histórico do edital
O edital para a concessão do serviço de Transporte Público de Passo Fundo foi lançado no dia 26 de outubro do ano passado. Mas, a preparação para o processo começou ainda em 2013. De lá até a publicação do edital, foram realizadas audiências públicas em diferentes regiões e segmentos. Foi contratada a consultoria da equipe técnica da UFRGS, por meio do Departamento de Engenharia de Produção e Transportes da Escola de Engenharia, que auxiliou no projeto de lei do Marco Regulatório do Transporte Coletivo Público, posteriormente aprovado pela Câmara de Vereadores, sendo considerado importante etapa no processo. A consultoria ainda indicou a necessidade de contratação de uma empresa especializada para o último estágio do processo: a licitação. A partir disso, foi contratada a empresa Matricial, que realizou um inventário do sistema atual e a demanda a ser explorada, pesquisa de campo, modelagem e alternativas de sistemas para elaborar a minuta do edital e o contrato. Após, a Procuradoria-Geral do Município avaliou o conteúdo para encaminhar para a publicação.
No dia 30 de novembro, apenas uma empresa demonstrou interesse em participar da licitação do transporte público de Passo Fundo. A Stadtbus Transportes Ltda., de Santa Cruz do Sul, apresentou o valor de R$ 3,03 para a tarifa dos coletivos urbanos. No dia 11 de dezembro, o município informou que a Stadtbus passou pela segunda etapa do processo. E no dia 18 de dezembro, a licitação foi suspensa por liminar expedida pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Passo Fundo. Na decisão, a juíza Rossana Gelain esclareceu, à época, que era preciso verificar a informação d a empresa Stadtbus estar realmente impedida de participar do processo já que dois de seus sócios teriam sido condenados anteriormente por improbidade administrativa.
De acordo com as observações da magistrada, teria ocorrido simulação na venda das cotas sociais da empresa, uma vez que os novos sócios empossados pela Stadtbus tinham relação familiar com os anteriores e, mais que isso, teriam pagado um valor de negociação muito abaixo do que efetivamente seria cobrado em caso de comercialização. Além disso, não há prova efetiva de que o valor de comercialização da empresa tenha saído ou ingressado na conta dos sócios retirantes.
Depois de expedida a liminar pela suspenção da licitação, ainda foi julgado um recurso interposto pela Stadtbus em janeiro deste ano, no mesmo processo. O desembargador do TJ-RS Irineu Mariani negou o Agravo de Instrumento, que tentava derrubar a liminar concedida pela Vara da Fazenda Pública de Passo Fundo. A decisão foi proferida no dia 25 e publicada no dia 31 de janeiro.
Ação civil pública
Nos anos 2000 passou pela Câmara dos Vereadores e foi sancionada pelo Executivo a Lei Nº 3661, que autorizava a prorrogação das concessões da exploração do serviço de transporte coletivo urbano, para a mesma empresa, pelo prazo de mais 15 anos, a contar de setembro de 2002. Ainda naquele ano, após denúncias anônimas, o MP instaurou inquérito civil para apurar supostas irregularidades na renovação destes contratos. A investigação não encontrou nenhum indicativo da obtenção de vantagens indevidas, mas uma auditoria realizada pelo TCE, à época, apontou inconsistências jurídicas na prorrogação do contrato. Em resultado a esse processo, o MP ingressou, em 2005, com ação contra a Prefeitura de Passo Fundo, a Coleurb e a Transpasso na Justiça.
Na acusação, o órgão sustentou, à época, que o serviço vem sendo prestado desde a década de 1970 pelas mesmas empresas, apesar de alguns desmembramentos e de mudanças no nome. Segundo o MP, contrato de concessão foi firmado em 1987, por tanto anterior a Constituição Federal de 1988. Além disso, em 1995, entrou em vigor a Lei Federal 8.987/95 que passou a regulamentar sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Por ser anterior a estas legislações, o contrato de 1987 não poderia ser visto como processo licitatório hábil e por não ser processo licitatório, a prorrogação do contrato não poderia ser feita, conforme argumentação do MP.
Em 2007, o mérito foi julgado pela magistrada Fabiana Pagel da Silva, em 1º grau. A sentença foi parcialmente procedente, determinando a anulação dos contratos de prorrogação e a abertura do processo licitatório. Desde então, diversos recursos foram interpostos para tentar reverter a decisão, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2015, as empresas ré interpuseram um recurso extraordinário com agravo. O entendimento do STF, em 2015, foi pela necessidade de processo licitatório para concessão do serviço de transporte coletivo, negando o seguimento do recurso. O relator do caso foi o ministro Luís Roberto Barroso. O prazo de prorrogação da concessão venceu no ano passado e o processo continua tramitando.