Ramon tinha pouco mais de dois anos e estávamos num churrasco da semana farroupilha no CTG Lalau Miranda. Conversava com amigos entre uma cerveja e outra quando vi o olhar de meu pequenino procurando o meu; terno e comovedor porque ele chorava e provavelmente perguntava-me porque não estávamos juntos? Sempre tivemos muitos olhares, meus filhos e eu; mínimas vezes de reprovação, muitas outras de cumplicidades. Não somos perfeitos, longe disso; nem nossos filhos, que enfrentam a curva de aprendizagem. Darão cabeçadas, recorrerão em erros, dimensionarão em exageros pequenos problemas...assim como nós, ao longo de nossas aventuras que chamamos vida. Em, suma, queremos que sejam melhores que nós, algo que não deve ser tão difícil assim.
Minha mulher olhou o quarto de nossa filha, agora sem a cama de dormir que a acompanhou desde que era criancinha. Não pôde evitar o choro, era como se Georgia não fosse mais voltar; não fiz comentários, curti minha pequena tristeza em silêncio respeitador. Agora ali naquele canto cabe um sofá cama que não substituirá a magia dos grandes momentos mas, é hora de entender que ambos – Ramon e Georgia - não moram mais com a gente; nunca sairão de nossas mentes e corações, estão presentes em todas as nossas preces, em todos os nossos pedidos de luz e paz e em todas as nossas expectativas. Não almejamos riquezas e sucessos sociais retumbantes; almejamos que sejam felizes do jeito que escolherem ser. Ramon está cheio de trabalhos de filmagem, cineasta que é e Georgia está em Belém junto com a ONG solidária em que trabalha – Comunitas (Ruth Cardoso era presidente). Não confundir com comunista, aquele troço que não vê valor em meritocracia. São do mundo e são da gente, são as nossas melhores partes.
Olhei para minha foto de dezessete-dezoito anos, antes da escolha profissional e pensei que poderia voltar no tempo e bater papo com aquele menino cabeludo de calça e jaqueta US Top. Quer ser médico? Entre 1960-1980 esses profissionais ganharam muita grana; agora não mais; agora é medicina socializada, pouca grana e muito trabalho. Quer ser médico para trabalhar até morrer? Sim, deve ter sido essa a resposta que dei; a profissão permite ajudar a tratar doenças do corpo e da alma diariamente. Medicina não é profissão e nem vocação; é um chamado. Deus olha para seus filhos e escala alguns para ser isso tudo ou tudo isso. E permite que exercitemos o sacerdócio de acalmar espíritos e corpos combalidos a cada momento. Se a gente não usa essa benção para o desiderato desejado é pena. Às vezes Deus dá dentes para quem não gosta de mastigar, vai saber, como dizia a senhorita Jordana.
Olhei no face a baixaria de alguns concorrentes ao cargo máximo da república; carnificina, jogo de interesses, jogo de esconde-esconde. Lembrei de Bussunda e sua trupe: não pergunte o que seu país pode fazer por você...pergunte o que ele pode fazer por mim. Lembrei de Chico Anísio: enquanto o povo tem medo do futuro os candidatos têm medo do passado. Pensei certa feita, de maneira inocente, que pra ser presidente de qualquer coisa por aí era necessário ser decente. Era necessário ter vergonha na cara. Que horror. Diz um amigo que numa festas de pintos fomos convidados a entrar com as bundas.