Um doce de casamento

Os 30 anos de vidas compartilhadas serão eternizados no dia que Vera e Maurou subirem ao altar

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Vera exibe com orgulho a famíliaVera exibe com orgulho a família
Vera exibe com orgulho a família
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“Branco não, vai ser um nude. Bordado com lantejoulas”. O vestido já foi escolhido. Vera e Mauro vão casar. A cerimonia, que sempre foi desejada pela mulher de 62 anos, mas que nunca foi possível devido a adversidades próprias da vida, será apenas a oficialização do carinho de mais de 30 anos de vidas compartilhadas e muito trabalho duro. Os preparativos já envolveram a família e a comunidade religiosa a qual os dois são filiados. A maquiagem e a decoração será presente dos filhos. A roupa da noiva, cuja primeira prestação já está paga, foi possível por meio da venda de doces artesanais.


Todo dia Vera acorda cedinho para cozinhá-los. A tarefa de vendê-los fica a cargo da neta Caroline, que também ficou responsável pela confecção dos enfeites de mesa para o dia do casamento. O espaço para celebração foi conseguido com auxílio do pastor da Igreja Batista, grande incentivador e responsável por convencer o noivo da importância da cerimônia, mesmo após décadas dividindo as responsabilidades, alegrias e frustrações.


“Eu por mim já tinha casado. Ele [Mauro] que ficou meio assim, dizia que era feio casar agora. Mas o pastor disse: não é feio, não. É uma coisa muito linda. Eu empresto o lugar, vamos ajudar no que precisar”, relembra a noiva. Apesar das ofertas, Vera fez questão de subsidiar o vestido e o sapato que usará com a venda dos seus quitutes.


Em um país cujos números de uniões matrimoniais vêm diminuindo e o de divórcios aumentando, Vera quer fugir a regra da estatística. Os últimos dados divulgados do Registro Civil apontam uma queda de 6% no número de casamentos e um aumento de 23% nos divórcios em Passo Fundo. Os números de 2016, em comparação com 2015, acompanham a média nacional, cuja queda foi de 3,7% nos casamentos. O Brasil registrou 1.095.535 casamentos civis em 2016.


De acordo com a pesquisa, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram concedidos 344.526 divórcios em 1ª instância ou por escrituras extrajudiciais, um aumento de 4,7% em relação a 2015, quando foram registrados 328.960 divórcios. Em 2015, foram registrados 1,3 mil uniões no civil e 217 pedidos de divórcios ao total. No ano seguinte, 1,2 mil casamentos e 268 divórcios. Se depender de Vera e Mauro, eles não devem ajudar a contribuir com a tendência observada no indicador do IBGE nos últimos anos.


O registro no Cartório Civil está agendado para data próxima a da celebração religiosa. Mas, afinal, por que nunca se casaram? “Ah, eu tive a primeira menina dele, depois o guri e o terceiro filho nasceu doente. Tinha Tetralogia de Fallot. Fez duas cirurgias. Estávamos sempre envolvidos com a criança. Sempre internada. Íamos muito a Porto Alegre. A gente se dedicou só a criança”, responde Vera.


A tetralogia de Fallot é uma cardiopatia rara. Menos de 15 mil casos são registrados no Brasil por ano. Se configura pela combinação de quatro defeitos cardíacos presentes no nascimento. Em virtude dessa condição, o fluxo de sangue fica pobre em oxigênio. Os sintomas da enfermidade incluem pele azulada e falta de ar. Apesar do esforço, há cerca de 10 anos, o guri faleceu. Com a perda do caçula, a mulher tentou convencer Mauro de casar. “Eu disse: Mauro bem que nós poderíamos casar porque olha quando tempo a gente tá junto já, 22 anos. Ele disse: Ah, mas agora vamos terminar assim”, reconta.


A investida ficou por isso mesmo, na época. Passado um tempo, Vera, que trabalhava como diarista, teve um problema grave na coluna e precisou interromper todas as atividades. Por um tempo não conseguia nem mesmo caminhar e dependia de ajuda para tarefas básicas do cotidiano, como tomar banho. O diagnóstico médico alertava: sem cirurgia, ela não voltaria a caminhar. Sem dinheiro para a cirurgia, a mulher não perdeu a esperança e fortaleceu sua fé. “Como minha mãe já tinha ido para a cadeira de rodas, eu disse: não, eu não vou parar na cadeira de rodas e não tenho como pagar a cirurgia. Pelo senhor eu estou desenganada, mas por Deus não”, conta, relembrando sua história a partir de diálogos.


Sem ter muito contato com nenhuma instituição religiosa, o convite para participar do culto veio de um dos filhos. Relembra que a primeira vez que foi à igreja precisou ser levada pelos filhos e pelo marido, em virtude da dor nas costas. “Eu fiz um propósito com Deus de que se eu voltasse a caminhar eu iria seguir o evangélico, me batizar na igreja e ia seguir os mandamentos da bíblia”.


Vera se sentiu bem em frequentar as celebrações e foi voltando a caminhar aos poucos. Com a promessa feita e a graça alcançada, restava cumprir com sua parte. Para desempenhar as funções que tinha se proposto, ela precisava se batizar e depois oficializar o casamento para realizar os cursos da instituição. Com o juramento da mulher, o empurrãozinho do pastor era o que faltava para que Mauro aceitasse a celebração.


Assim, o casal – que se conheceu em uma granja trabalhando, começou com uma amizade, evoluiu para o namoro e depois decidiram morar juntos – dará mais um passo na relação em novembro. Desta união, nasceram três filhos. Além disso, Vera já tinha outros filhos quando conheceu Mauro. Ao total, foi mãe de dez. Destes, seis estão vivos. Segundo ela, Mauro ajudou a criar todos eles como se fossem do seu sangue. Lamenta pela ausência deles e da mãe, também já falecida. “Foi uma coisa que eu sempre quis. Quando minha mãe era viva eu dizia: ainda vou casar para fazer minha mãe feliz. E daí ela faleceu, já fez 11 anos e agora, depois que perdi a mãe, perdi o caçula, deu tudo certo. Eu queria que eles estivessem aqui”, expõe.


Apesar desses acontecimentos, cujo ser humano não possui nenhum controle, o casamento não deixará de ser especial. Afinal, como anuncia no canto superior esquerdo do convite de casamento, “o amor nunca desiste, nunca perde a fé. Tem sempre esperança e persevera em todas as circunstâncias”.

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